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Mesa #009 - Fear of The Unknown

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"The oldest and strongest emotion of mankind is fear, and the oldest and strongest kind of fear is fear of the unknown." - H. P. Lovecraft


Mesa #009 - Fear of The Unknown Hoia-baciu-2


"2017, Maio 24. O voo 337 da companhia Supernova sai de Londres, Inglaterra, com destino a Nova York, Estados Unidos. Os passageiros têm uma viagem tranquila nas primeiras cinco horas. No entanto, às 05:55 da manhã, o avião, repentinamente, começa a cair. Não houve turbulência. Não houve aviso. Simplesmente começou a cair, deixando os seus passageiros em pânico.

Sem se lembrar do que aconteceu, exatamente, em seguida, os passageiros acordam no avião. Aparentemente, pousaram sobre a água, ao lado de uma praia que mais parecia uma ilha do que uma parte do continente americano. O avião estava seriamente danificado. Muitas pessoas pareciam ter morrido, talvez por causa da queda. Os que sobreviveram, em meio à nova situação, sentem-se perdidos."


Fear of The Unknown é um RPG levemente baseado em Lost, com algumas outras inspirações. O seu foco vai ser dividido em: desenvolvimento de personagens, sobrevivência e exploração. Nada tão diferente do que a série mostra em questão de ritmo, mas claramente não seguirei a mitologia e nem me inspirarei nos acontecimentos de Lost. Por isso, podem esperar que o jogo se assemelhe à série no início, mas que se desenvolva de modo bastante diferente. Não revelarei mais nada do enredo, pois o mistério (talvez esse seja o gênero principal do RPG) vai ser um fator importante.

Não vou exigir posts com um certo número mínimo de linhas e nem exigirei que os personagens sejam extremamente sérios e/ou formais, mas peço uma boa interpretação e que o personagem tenha algo que possa ser desenvolvido por você, jogador. Aliás, os personagens dos jogadores vão ser, de certo modo, muito importante para o desenvolver da história. Vou tentar (que fique claro o "tentar") aproveitar algo de suas histórias e características, e encorajo flashbacks (se quiserem).

Eu já tenho o final em mente e imagino que o RPG não vá ser longo, então seus personagens podem morrer um pouco cedo, dependendo das suas decisões. E não vai haver oportunidade para introduzir novos personagens (tipo em Lost que podem chegar personagens do nada de helicóptero). Então peço que tenham cuidado. Mesmo que eu crie planos para o personagem, não vou tentar salvá-lo se ele fez claramente uma ação pouco sensata que pode matá-lo.

Enfim. Qualquer dúvida, podem me mandar uma MP.

Enviem a ficha abaixo por MP. Devo demorar uma semana ou um pouco mais, depois de receber todas as fichas, para planejar tudo de acordo com os personagens e começar de vez o RPG. Pode ser que demore muito menos, mas não quero prometer nada.

É isso, boa sorte e bem-vindos de volta ao mundo de RPGs de fórum.

Ficha:

Código:


[b]Nome completo[/b]:
[b]Apelido (se houver)[/b]:
[b]Idade[/b]:
[b]Cidade, estado e país de nascimento[/b]:
[b]Profissão[/b]:
[b]Membros da família (vivos)[/b]:
[b]Por que estava no avião?[/b]:
[b]Principais medos[/b]:

[b]Aparência (de preferência foto, com possíveis descrições extras)[/b]:
[b]Personalidade[/b]:
[b]História de vida[/b]:

descriptionMesa #009 - Fear of The Unknown EmptyRe: Mesa #009 - Fear of The Unknown

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Introdução


As aeromoças serviam o café da manhã para os passageiros, ao longo que o dia amanhecia aos poucos. Vestiam uniformes azuis, que combinavam com a cor dos bancos da aeronave. Caminhavam e perguntavam a cada cliente qual bebida e lanche preferiam, com uma simpatia estranhamente verdadeira. Suas vozes e seus passos eram praticamente o único barulho diferente na viagem. Serviam café, suco, água e outras bebidas, além de pequenos lanches industrializados.

Ainda faltavam algumas horas até que o avião chegasse em Nova York, o destino final. Naquele momento, eles estavam provavelmente sobrevoando o oceano, embora não fosse possível vê-lo pela janela devido à altitude e à escuridão.Tudo estava muito tranquilo e sem turbulência. Vários passageiros dormiam e não eram incomodados, enquanto outros tentavam ver algo de interessante pela mini TV disponível.

Stéphane observava calmamente a escuridão pela janela. Ao seu lado, Eli passava os canais da mini TV do banco à sua frente, em busca de algo para passar o tempo, com tédio e sem sono. Um grupo de coreanos dormia mais atrás. Um homem de cabelos loiros observava pelo vidro uma luz vermelha vinda da asa do avião piscar na noite. No banco ao lado, Andrew encarava o seu copo de plástico vazio, enquanto aguardava a aeromoça se aproximar. Richard ouvia David Bowie em seu smartphone, desejando estar sentado do lado da janela.

A primeira turbulência foi leve, mas suficiente para acordar os mais sensíveis. Durou pouco mais do que três segundos. Pouco tempo depois, houve a segunda, que durou cerca de um minuto e preocupou aqueles que viajavam pela primeira vez. Os passageiros experientes continuaram calmos. A terceira e última turbulência não parecia ter fim. As próprias aeromoças demonstravam claramente um enorme desespero em suas expressões faciais. Seguravam-se no que podiam, mas a vibração do avião era muito forte. Logo todos os passageiros entraram em alerta e os gritos começaram a surgir.

O avião então começou a descer. Era tão rápido que não era possível saber se ele estava caindo ou se o piloto estava controlando a descida. As máscaras de oxigênio caíram e os passageiros tentavam se manter em suas cadeiras. Estava escuro demais para saber se já estavam próximos de cair no oceano. Tudo indicava o fim, a morte. Um impacto que explodiria o avião e mataria a todos. Ou os afundaria no mar.

[...]

Louis Lloyd abriu seus olhos de repente. Respirava com bastante dificuldade e seus batimentos cardíacos pareciam aumentar ao longo que ficava mais acordado. Havia uma dor de cabeça terrível o incomodando, como se alguém estivesse batendo nela com um martelo a cada segundo. A garota de onze anos ao seu lado, sua filha, estava se mexendo como se acabasse de acordar. Felizmente, não parecia ter nenhum ferimento. Os dois ainda estavam em seus assentos. Pela janela, conseguiam ver a luz do dia e, além disso, uma parte rasa do oceano logo abaixo da aeronave.

Louis soltou o seu cinto de segurança e levantou-se, com dificuldade e fortes dores de cabeça. Olhava em volta: muitos passageiros ainda em seus lugares, desacordados, aparentemente. Outros lugares estavam vazios e, pelo modo como os cintos estavam, pareciam ter sido recentemente abandonados. A filha de Louis também tirou o seu cinto e caminhou ao lado do pai.

O homem barbudo conseguia enxergar, mais à frente, uma porta aberta, onde entrava luz solar no avião. Ouvia o som das ondas e através das outras janelas conseguia ver uma praia. A parte do avião onde ele havia ficado não parecia destruída, mas ao longo que caminhava para frente, conseguia ver um certo dano. Na cabine do piloto, viu sangue no chão e o vidro quebrado. Toda aquela parte parecia estar bastante danificada e havia fumaça subindo aos poucos.

Chegando na abertura, Louis percebeu que poderia simplesmente pular para alcançar aquela parte rasa da praia. Apesar de ser necessário escadas para subir e descer naquela parte no aeroporto, ali o avião estava posicionado de forma que a altura entre a abertura e o solo era pouco mais de um metro. Louis desceu e, em seguida, ajudou a filha a descer. Molhou suas botas e parte da calça. A água estava um pouco abaixo dos seus joelhos.

Olhando em volta, o homem percebeu outras pessoas - provavelmente passageiros, sentados na areia, abrindo mochilas e malas. Além do som das ondas, ouvia-se choro, desespero e tristeza. Louis viu corpos deitados na areia, com gente ao redor, mas não sabia dizer se estavam desmaiados ou mortos. No seu celular, era 24 de Maio de 2017. Nove horas da manhã.

Louis fechou os olhos por causa da dor de cabeça e ajoelhou-se, mostrando em seu rosto o quanto estava sofrendo.

— Pai, você tá bem? — perguntou sua filha, com uma entonação aguda e medo na voz.

O homem caiu na areia, com as mãos na cabeça. Gritava, como se estivesse sendo esfaqueado. A garota começou a gritar por ajuda. As pessoas ao redor começaram a observar os dois, mas ninguém dali sabia o que fazer.

No avião, outras pessoas começavam a acordar, naturalmente ou devido aos gritos de Louis.






O jogo enfim começou. Todos os 7 personagens estão acabando de acordar, logo após Louis sair do avião. Vocês podem descrever o momento antes e durante a queda, se quiserem.

Sobre o sistema, ainda devo mandar algo que envolve vantagens e desvantagens dos personagens, que vai influenciar as rolagens dos dados. Vocês possuem uma "contagem" de fome e sede. 1 significa pouca, 2 média e 3 muita. Com fome 3 não há energia para fazer nenhum esforço físico ou mental. Com sede 3, o personagem morre por desidratação. 
Mapa:

Mesa #009 - Fear of The Unknown 81xdtux

Onde há "grupo x", onde x é um número natural entre 1 e 4, são todos grupos de NPCs que descreverei ao longo que se aproximem. Onde há "homem", há o NPC (Keanu Reeves) fumando sozinho e olhando o mar.

descriptionMesa #009 - Fear of The Unknown EmptyRe: Mesa #009 - Fear of The Unknown

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Andrew já esperava por isso há um bom tempo.

Richard Webber, o chefe de cirurgia do hospital Rouji Uemamor e um velho amigo de seu pai, lhe encarava com uma expressão triste. O Shephard estava um pouco surpreso na verdade, a tristeza existia pelo fato do homem ser quase um tio para ele e ter lhe ensinado bastante durante sua estadia longa no hospital, mas no rosto dele também havia um pouco de nervosismo. Richard não era alguém que demonstraria nervosismo à qualquer um.

— Vai me expulsar? — perguntou Andrew antes que seu chefe pudesse começar. Por mais que o respeitasse, se fosse o que esperava não teria paciência para rodeios.


— Senhor? — chamou uma das aeromoças, esperando uma resposta de Andrew que encarava o copo vazio em sua mão, perdido em seus pensamentos.

— Perdão, estava distraído. — Andrew deu um sorriso simpático. — Eu não quero nada, obrigado.

Ela apenas acenou com a cabeça e perguntou para o loiro ao lado de Andrew, deixando-o voltar aos seus pensamentos. Estes que não duraram muito, pois houve uma turbulência. Apesar de chamar sua atenção, o Shephard não ligou. Quando aconteceu pela segunda vez, ele franziu o cenho e olhou em volta, notando reações parecidas ao seu redor. E, quando aconteceu pela terceira vez, o desastre finalmente se iniciou.

A última coisa que Andrew se lembrava era das máscaras caindo, de tentar agarrar uma delas, das luzes piscando, do avião tremendo cada vez mais, dos gritos e pedidos de socorro, do choro dos adultos e das crianças se misturando. Tudo isso pareceu se estender nos ouvidos do homem até o momento que ele acordou em um susto, deparando-se com um ambiente bem mais silencioso e calmo do que estava segundos antes.

Mesa #009 - Fear of The Unknown WiltedUnfinishedHackee-small

Sua cabeça estava meio atordoada, ele estava tonto, sua primeira reação foi tentar se levantar da poltrona. Quase caiu, mas se apoiou na mesma, respirando fundo e ficando alguns instantes ali, até que olhou em volta com mais atenção e viu bastante gente ali dentro, a maioria desacordada, mas alguns se levantavam, acordando também. Sua audição pareceu voltar ao normal naquele instante e uma sensação estranha se espalhou pelo seu corpo ao escutar pela primeira vez um som desde que acordara: a água do mar molhando a areia de uma praia. Ou algo assim.

Ele se virou para janela e viu o mar, caminhou um pouco e começou a notar o que parecia uma praia, mas sua atenção foi chamada por vez ao escutar berros vindo do lado de fora. O instinto de Andrew falou mais rápido que o mesmo, quando notou já estava caminhando rápido em direção à saída, quase tropeçando e só não caindo porque se apoiou em um banco. Respirou fundo e voltou a andar depressa.

Ao saltar e cair na areia, cerrou os olhos ao deparar-se com o sol, olhou rapidamente as pessoas em volta, mas nenhuma delas prestou atenção neles, só enxergavam a fonte dos gritos.

— O que aconteceu com ele? — perguntou Andrew à garota, enquanto se agachava ao lado do homem e tentava encontrar algum ferimento visível nele, procurando principalmente por manchas de sangue. Era uma atitude automática dele, afinal ele era um cirurgião de trauma, sua especialidade era justamente lidar com situações de emergência como aquela.

Em momento algum desde que acordara, ele sequer pensou em como ou por quê havia sobrevivido.

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Andrew não encontrou nenhum ferimento e nenhum sangramento no homem. No entanto, percebeu uma febre alta, embora não parecia justificar aquela dor de cabeça tão forte que o barbudo parecia estar sentindo. O médico simplesmente não conseguia identificar rapidamente o que havia acontecido e provavelmente precisava de mais detalhes que não se podia ver: histórico de doenças, alergias, qualquer problema de saúde.

— N-não... não sei. Eu não sei, moço. Eu não sei — disse a garota, nervosa, com lágrimas caindo em seu rosto infantil.

As pessoas ao redor olhavam para a situação, com preocupação, sem saber no que poderiam ajudar. Não se aproximavam, apenas observavam.

Andrew sabia que, pelo menos, poderia amenizar a dor do rapaz com um analgésico e seria interessante perguntar se alguém dali possuía um.

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Ao notar o desespero e medo da garotinha, o Shephard se sentiu bem mal. Para ser sincero, ela lhe lembrava bastante da Beth.

— Qual seu nome, garotinha? — perguntou Andrew com uma expressão simpática.

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— Aurora — ela respondeu, com sua voz razoavelmente chorosa.

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— Vai ficar tudo bem, Aurora. Seu pai não está com nenhum ferimento sério, ele vai ficar bem. Eu preciso que você tome conta dele enquanto eu procuro remédios. Nós dois vamos ajudar seu pai. — falou Andrew com um sorriso confiante, o sorriso que ele construíra durante sua carreira médica e enganara muitas pessoas para que não se desesperassem durante a hospitalização do paciente, seja o futuro dele positivo ou negativo. Levantou-se e olhou em volta: — Alguém tem algum analgésico ou algo do tipo!? — Se ninguém ali tinha, ele teria que entrar no avião novamente para procurar, então esperava que alguém tivesse para facilitar sua vida.

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A primavera londrina é receptiva para turistas de todo o mundo. Stéphane nunca teve a oportunidade de conhecer Londres com um mínimo aproveitamento, uma vez que as poucas oportunidades de visitar a cidade resumiam-se a afazeres chatos relacionados a promoção de filmes, em que não havia tempo e contexto para que ele pudesse aproveitar a cidade.

Todavia, o papel de Richard Stones — um detetive encarregado de investigar uma série de assassinatos nas proximidades de lagos londrinos — era conveniente pois, além de manter a chama do trabalho acesa, garantia um contato superficial com a cidade. Os pedidos eufóricos por fotos e perguntas sobre Mister Qi — que em entrevistas chegavam a exceder as perguntas relacionadas à minissérie de Stones — continuavam, portanto a experiência continuaria reduzida.

Stéphane não gostou tanto de Londres. Apesar do caráter amenoso, achou-a cara, ocupada e instável, como nas outras metrópoles em que esteve; lembrou-se de Nova York, Tokyo, São Paulo e Paris, porque pôde relacionar elementos comuns a todas. Decidiu, portanto, partir para os Estados Unidos uma vez que as gravações de seu personagem estivessem concluídas.

***

No aeroporto, Stéphane teve de experimentar olhares mergulhados em dejavús e pedidos por fotos e autógrafos, vindos principalmente de crianças, cujos olhares impediam-no de transparecer qualquer sinal de intolerância, por mais que por dentro a associação de sua imagem com aquele personagem ainda tivesse um gosto amargo.

Aproximou-se do lado mais vazio do aeroporto e sentou-se em um dos bancos. Ocupou o tempo com a observação das pessoas que perambulavam por aquele ambiente que sempre se renovava: crianças agitadas, idosos cheios de dúvidas, casais que transpareciam a paixão no semblante, seres apressados e bocas encharcadas de comidas processadas: ali havia a reunião de todas as camadas da sociedade.

Ao aproximar da meia-noite, um homem de barba expressiva dirigiu-se a Stéphane.
— Com licença, você pode olhar a minha filha enquanto vou no banheiro? Ela é bem quieta e provavelmente não vai se mover, mas gostaria de ter certeza. — A garota aparentava ter por volta de 13 anos.

— Certo — respondeu, torcendo para que não fosse problemática.

Passou-se alguns segundos desde que o homem fora ao banheiro, após agradecer a ajuda de Stéphane. A garota o olhava com curiosidade.

— Você me lembra um cara de Cowboy Bebop. É igualzinho — ela dizia com calma e inocência.

— Oh, é um filme excelente. — Surpreso, não passara pela cabeça do ator de revelar sua posição naquele momento, talvez por interessar-se mais por informações sobre a garota. — Você gosta da animação ou é uma fã de cinema que ficou curiosa com o filme? — perguntou.

— Vi o anime. Eu estava esperando um filme bem ruim, como todos os filmes baseados em anime que eu vi. Mas eu gostei.

— Legal. Eu me envolvi com o projeto porque gosto da animação. — Stéphane interessou-se ainda mais pela conversa, do tipo que não esperava encontrar em um aeroporto. Por mais que o filme fosse relativamente famoso, a ponto de ser referido como um ‘cult’, o sucesso de seu papel como o piloto de robôs, Mister Qi, sobrepunha-no a imagem de qualquer outro papel quase que inteiramente.

— Então é você mesmo? Pensei que gente famosa só voasse em voo particular — disse a menina, ainda calma. Para a surpresa de Stéphane, não ficou agitada como todas as crianças que o conheciam.

— Sim, sou eu. Diria que Vincent é a minha interpretação favorita.

— Só vi esse filme seu. Você atuou bem. No teatro da escola, eu só interpreto personagens tristes. — Por um momento, Stéphane relutou em perguntar se a garota não havia o visto como Mister Qi, mas, convenientemente, a vida da garota interessou-o mais.

— Conte-me sobre eles.

— Ah, nunca tenho papel principal. Uma é triste por ser órfã, outra por não ter amigos. O que eu queria mesmo era escolher qual personagem atuar, criar as minhas próprias falas. Meu pai é meio doido e me comprou vários cadernos, querendo que eu escreva histórias.

— Isso é bom. Você evolui através da prática. — O ator ergueu levemente a cabeça e fixou brevemente o olhar na parte de cima do aeroporto.

— Acho que sim.

Ouviu-se uma voz feminina falando nos alto-falantes que o avião para o voo 337 havia chegado. O pai da garota saía do banheiro e andava apressado em direção a ela. A garota levantou-se e olhava o seu pai voltando. Depois, voltou seu olhar para Stéphane.

— Foi bom te conhecer, senhor. Espero que faça mais filmes de animes. Não deixe eles estragarem a história.

Stéphane sorriu timidamente e acenou a ela, não percebendo que aquele também era o seu voo. O pai da garota aproximou-se e colocou a sua mão no ombro de Stéphane. Ele sorria, enquanto tentava respirar após perder um pouco do fôlego no seu andar rápido.

— Muito obrigado, rapaz. Espero que ela não tenha te machucado — disse, sorrindo, com um tom de brincadeira.

***

Dentro do avião, Stéphane sentou-se ao lado de um homem negro que aparentava ter por volta de 50 anos. Dispensou as ofertas de comida e disfarçou-se timidamente em sua jaqueta longa e em seu óculos de sol. Observava calmamente a escuridão pela janela.

Acordou repentinamente, sem se lembrar do contexto em que pegara no sono. Sua cabeça doía levemente e parecia não ter controle sobre os seus olhos, que palpitavam e mantinham-se parcialmente fechados. Conseguia ouvir gritos. Tornou a dormir.

Acordou novamente. A dor cessou e Stéphane conseguia ter controle pleno sobre os sentidos. Lembrou que o avião começara a cair devido a uma série de turbulências e, após o impacto, ele havia desmaiado. O ambiente estava silenciosamente melancólico: materiais jogados, pessoas apagadas e resquícios de uma tragédia na cabine do piloto.

O ator procurou por alguma referência, agitando levemente o braço direito do homem negro que estava apagado em seu lado. Sem sucesso, dirigiu-se à porta do avião, que estava aberta e levava a uma parte rasa do mar. Conseguia ver uma ilha povoada por, aparentemente, pessoas que compartilhavam o mesmo avião.

O sol estava razoavelmente incômodo, Stéphane dirigia-se em direção a uma dupla, tentando visualizá-la melhor durante o caminho, que estava banhado por uma luz solar cintilante. Percebeu, enfim, que o homem com quem falara no aeroporto estava deitado, queixando-se desesperadamente de dor.

Stéphane olhou para a garota, a situação tirou a pouca habilidade que ele teria para se inserir ali; ele genuinamente não sabia o que dizer. Balançou levemente a cabeça, na vertical, enquanto permanecia com o olhar em direção a garota, sem disfarçar o semblante de confusão em sua face.

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Finalmente a época tão aguardada chegara para Daniel e seu grupo, a tour pelos Estados Unidos estava prestes a começar e não haviam pessoas mais animadas que eles naquele aeroporto.

Na sala de espera do voo, Kang decidiu ir ao banheiro, enquanto o resto da banda continuava nas cadeiras. Após usá-lo, caminhou até a pia, que possuía vários espelhos e buscou lavar suas mãos. Do seu lado, havia um homem barbudo, que deveria ser pelo menos dez anos mais velho que ele. Era branco e parecia ser americano. Por um momento, ele olhou para Kang com uma expressão analítica. Então disse:

— Desculpe, mas você é cantor de K-Pop, certo? Não sou nenhum fã, mas acho que já vi você na TV.

— Oh? Sério? — Respondeu surpreso. — Eu e meu grupo estamos nos preparando para nossa primeira tour nos Estados Unidos. — Continou um sorridente Daniel.

— Que legal — ele dizia, com um sorriso sincero. — Pensei que pessoas famosas assim viajavam de avião particular.

— Que nada — Responde Daniel, rindo. — Não somos tão famosos internacionalmente como somos lá na Coréia, então não tem problema, espero que algum dia possamos ter o nosso próprio avião particular. — Finalizou, mantendo o sorriso no rosto.

— Bem, — ele fechou a torneira. — eu o vi na TV. Não deve demorar muito para esse dia chegar.

Daniel sorriu e agradeceu se curvando para frente, como ocorre casualmente em sua terra natal.

O grupo decidiu dormir assim que se acomodassem no avião, para irem se adaptando ao novo fuso horário, todos haviam pegado no sono quando a primeira turbulência aconteceu. Daniel acordou surpreso, mas as constantes viagens pela Ásia o deixaram experiente quanto a viajar de avião e sabia que era algo comum de se acontecer. Na segunda a adrenalina em seu corpo já subira, Kang percebeu a agitação no avião e começou a trocar olhares assustados com os demais integrantes da banda. Já na terceira pressentiu o pior, fechou os olhos enquanto segurava a mão de seu melhor amigo, na qual sempre esteve junto desde os tempos de trainee, esperando que tudo estivesse sobre controle... Até que o desastre aconteceu.

Não entendia o que acabara de acontecer quando finalmente abriu seus olhos, uma forte dor de cabeça o atingiu ao mesmo tempo que sentiu seu amigo apoiado em seu ombro, Kang virou em sua direção e viu a imagem mais atordoante que jamais imaginaria presenciar, seu amigo totalmente sem vida. Daniel imediatamente caiu do banco e ficou paralisado enquanto observava desolado o corpo, sua respiração ficava cada vez mais ofegante e sentia que iria desmaiar a qualquer momento.

Jogado no chão do avião se virou lentamente para as poltronas ao seu redor e percebeu que um dos seus maiores medos acabara de acontecer, todos os outros membros também estavam imoveis, pálidos e aparentemente sem vida. Milhões de pensamentos atordoantes passavam pela sua cabeça: acabara de perder as pessoas no qual passou grandes momentos de sua vida, por que só ele havia sobrevivido?

Daniel começou a se afastar lentamente, ainda sentado, enquanto observava os corpos já sem vida. Tentou se levantar duas vezes mas sentia sua pressão caindo e não conseguia se manter de pé. Percebeu a porta do avião logo atrás aberta quando um jovem rapaz, que seu amigo pedira uma foto no aeroporto, acabara de sair. Daniel se levantou aos tropeços e correu em direção a porta se apoiando nas poltronas, na esperança de conseguir ajuda. Kang que estava correndo e ainda desnorteado não percebeu a altura da porta para a praia e acabou caindo assim que saiu do avião.

Ao levantar seu rosto percebeu que tudo podia piorar, sentiu um nó em sua garganta quando viu ao seu lado o barbudo que havia conhecido no aeroporto, ele estava gritando e nitidamente atordoado, enquanto recebia ajuda de um simpático homem. Do seu outro lado estava o rapaz, que seu amigo era fã, observando atentamente a situação. O ambiente era definitivamente o pior, somente água, uma floresta sem fim e um sol ardente.

Daniel que foi a procura de ajuda não conseguia mais esboçar nenhuma reação ou movimento, quanto mais olhava ao seu redor mais se perdia em pensamentos, então ficou ali, jogado na areia observando o desenrolar da situação enquanto os gritos do rapaz ecoavam dentro de sua mente.

Última edição por Leonard em Qua Jul 17 2019, 00:52, editado 5 vez(es)

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As pupilas abriram tão dilatadas que a penumbra do ambiente se tornou um breu absoluto, a plena consciência lhe veio de supetão e pelos instantes que se seguiram ele se sentiu mais confuso do que jamais se sentira em sua vida. Ele não podia estar morto, podia? Não, ele ainda sentia o coração bater no peito, e vigorosamente. A respiração talvez estivesse um pouco pesada e custosa, mas era perceptível que estava lentamente se estabilizando. Já nem conseguia se lembrar do que havia acontecido, era como se os momentos de turbulência e pânico que enfrentara antes de apagar estivessem se tornado um grande borrão e misturando-se com os anteriores, desde o embarque até a decolagem. Sua mente podia estar confusa, mas não podia negar também que estava limpa e clara.  

— Deus do céu... — talvez tenha soado como um murmúrio assustado, mas o que ele queria mesmo era ouvir o som da própria voz para se certificar de que realmente estava vivo. E de fato aquilo o convenceu. Ele respirou fundo e finalmente começou a prestar atenção ao ambiente em sua volta, à medida que os olhos se acostumavam com a escuridão. Sua audição não estava das melhores ultimamente, mas tudo estava silencioso ali dentro e qualquer barulho que escutava parecia ser externo. Pensou estar ouvindo o som de ondas batendo na fuselagem, então imaginou que talvez eles estivessem em meio ao mar aberto, à deriva. Respirou fundo e olhou ao redor, tentando procurar alguma movimentação nos outros assentos. Ele não podia ser o único vivo ali, podia? Não, agora que conseguia analisar o interior do avião com mais clareza, ele via o quanto tudo parecia estar intacto e em bom estado, e isso certamente indicava que haviam tido outros sobreviventes. O assento ao seu lado estava vazio, mas ele reparou que ainda haviam outras pessoas nos outros, embora nenhum se mexesse. Deviam estar desacordados também, como ele.

Respirou fundo, decidido que se levantaria de uma vez. Foi tateando o colo até achar o cinto que lhe apertava o quadril e finalmente o soltou, sentindo um alívio de imediato. Foi se levantando aos poucos, apoiando-se no braço do assento com bastante cuidado, já que ainda estava um pouco incerto quanto a própria condição física, embora não tenha sentido nenhum incômodo até o momento. Tateou as roupas uma última vez antes de se voltar para o fim do corredor, de onde ele conseguiu identificar uma fonte de luz que cortava a escuridão. Foi iniciando uma caminhada vagarosa e cuidadosa. As suas pernas pareciam estar boas, mas mesmo assim ele foi se apoiando onde podia pelo caminho estreito, ainda preocupado e com medo de cair. Os olhos continuaram percorrendo o interior do avião a procura de qualquer tipo de movimentação, e mesmo ainda não vendo nada, ele começou a sentir que entendia melhor o que havia acontecido ali. Não entendia nada de aviões e voos, mas imaginava que talvez alguma mudança no ar durante a queda tenha causado todos aqueles desmaios em massa, embora ainda não estivesse nem um pouco claro quanto tempo já havia passado. Ele notou que o sol raiava pelas janelas, denunciando o início da manhã. 

Finalmente chegando ao fim do corredor, ele passou pela porta aberta e seguiu até a cabine do avião, inicialmente com o intuito de procurar pelo piloto, mas rapidamente tendo a atenção tomada pelo que ele viu através da janela. Seus olhos se arregalaram e um arrepio subiu por sua espinha enquanto ele vislumbrava, atônito, a ilha que se estendia por todo o horizonte a sua frente. Um turbilhão de emoções surgiu em sua mente e durante algum tempo ele ficou ali, como se admirando a paisagem, em silêncio.

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A fila do check-in tinha demorado o suficiente para fazer o meu chiclete virar uma borracha mole e sem gosto na qual eu descontava com força toda a minha ansiedade e medo. Não bastasse um suor frio que descia pelas minhas têmporas, eu não conseguia parar de virar pra trás e procurar por seguranças, por policiais ou até mesmo pela porra da Interpol. Felizmente, toda vez que eu me virava eu não via nada além de filas, malas e pessoas, muitas delas. Mas não conseguia evitar olhar de novo. Passaporte, passagem e identidade por favor, senhor, disse a funcionária. Seria ainda mais bonitinha se pudesse ser mais ágil no serviço. Obrigada, tenha um bom voo. Obrigado, tenha um bom dia, respondi com uma polidez que contrastava com as manchas de suor na minha camisa e com a expressão marcada pela ansiedade. Toda vez que uma voz feminina, estridente e nasal falava pelos alto-falantes do aeroporto para anunciar horários ou coisa qualquer, eu ficava atento por temer que ela anunciasse alguma merda envolvendo meu nome.

Guardei o papel do check-in no bolso e fui me sentar enquanto esperava minha mãe voltar do banheiro.  

— Você deixou isso cair ─ falou uma voz masculina depois de me tocarem o ombro, antes de eu conseguir me sentar. Travei por um segundo e olhei de banda para o lado, sem me virar, imaginando cenários, e em todos eu acabava levantando as mãos para cima enquanto um policial preparava as algemas e dizia "Vincent Denver, você está preso". Noutro segundo eu percebi que só tinha deixado o check-in cair. Me virei para ver um homem barbudo de rosto amigável, com uma menina ruiva do lado. Não era um policial, tampouco alguém do jornal, de repente eu senti um alívio que não sentia há muito tempo.

─ Obrigado, parceiro ─ agradeci balançando a cabeça e pegando o papel. Não estava em meus planos conversar com estranhos, mas agora era tarde, e eu não poderia deixar uma pista com aquele homem, então eu deveria agir com a maior normalidade do mundo e não parecer suspeito, logo logo a polícia estaria por aí checando compras e check-ins de viagens aéreas por toda Londres e fazendo perguntas no aeroporto, se conseguissem chegar a tempo do meu voo. A garotinha ruiva me olhava. ─ Sua filha?

— Sim. Seu nome é Aurora. Ela é um pouco introvertida — o homem olhou para a garota, sorrindo, observando sua timidez perante o estranho. Então estendeu sua mão — Sou Louis.

Quis mentir meu nome, mas preferi não correr o risco de causar estranheza no homem, que certamente tinha visto meu nome no check-in. Apertei a mão do rapaz e disse, com um meio sorriso:

─ Vince. É uma menina muito bonita, parabéns. Para onde estão viajando?

— Nova York. A mãe dela não cansa de gritar no telefone que ela precisa visitá-la.

─ Olha só, vão pegar o próximo voo também?

— Sim. O 337.

─ Eu também. Estou com a minha mãe, mas ela está no banheiro agora. ─ tentava ao máximo não parecer nervoso. Só ficaria completamente calmo quando estivesse dentro do avião e decolando. ─ Um bom voo para nós ─ abri um sorriso largo e ansioso para os dois e me virei de volta.

Torcia angustiado para que minha mãe não tivesse passado mal de novo e não estivesse desacordada, escorada numa divisória de banheiro de aeroporto, com sangue escorrendo da boca. Carcinoma gástrico, o médico disse, quando fomos consultar sobre o resultado dos exames. Não foi preciso ele dizer que o câncer era maligno e que era muito grave. O preço do tratamento? Alguns anos de trabalho, bem pagos. Mas eu faria do possível e do impossível para que estender qualquer expectativa de vida. Foi por isso que eu abracei a mudança e aceitei começar uma carreira estável em um jornal londrino. Em Manchester as oportunidades estavam cada vez mais escassas, e ninguém iria contratar o Vince, aquele freelancer metido a jornalista que arriscava a própria vida se intrometendo nos casos que investigava. Sempre deu certo, sempre entreguei uma história redonda e com todos os nós desfeitos, com tudo devidamente documentado, fiz alguma fama entre as redações de Manchester, mas ninguém vai querer contratar alguém que trabalha assim - é pouco ético, traz dúvidas à veracidade dos fatos uma vez que sabem como eu os consegui. Não, não daria certo, eu deveria ir para um lugar onde meu nome não estava sujo e começar de novo, pela minha mãe. Fazer o certo, dessa vez na capital inglesa. Mas estraguei tudo de novo.

Eu tinha lidado com alguns tipos sortidos de criminosos na minha instável e inconsistente pseudo-carreira, mas ninguém como aquele velho filho de uma puta que me enganou e no final das contas me reduziu a nada mais que um cachorro correndo atrás de uma bolinha que nunca foi lançada. O meu jeito de trabalhar era esse, sempre foi. Me misturar com a história e com os personagens que eu investigo, improvisando meu caminho e minhas ações até que eu consiga tudo e saia com os arquivos, as provas e os documentos necessários para que eu venda a história para o jornal que pagar mais caro. Sim, já me fodi muito nisso, mas peguei o jeito. Na minha cabçeça, no caso daquele velho, estava tudo correndo tudo como o planejado, tudo como sempre foi: seu elaborado e engenhoso esquema de assalto a bancos coordenado em conjunto com funcionários dos próprios bancos iria ser destruído antes que pudesse ser executado, porque eu entregaria tudo ao público - era o caso que eu estava investigando para o jornal. Eu, o cara que todos acreditaram ser um funcionário de banco envolvido, misturado com outros funcionários e criminosos naquela mesa. Todos naquela sala de reunião não sabiam, menos o velho desgraçado. Quando a reunião terminou, ele me olhou e fez a proposta, sem uma vez me ameaçar de morte, mas deixando isso bem implícito no discurso e no seu tom de quem sabe o que faz. Em suma, eu não tinha opção, e ele poderia apenas me mandar ficar calado, mas fez uma proposta que eu não poderia recusar. E eu saí daquela reunião dividido entre a felicidade e a dúvida mortal, com uma maleta de dinheiro, um dinheiro que pagaria duas, três, quatro vezes o tratamento do câncer da minha mãe. Eu entrei no carro e parti para casa, e quando fui dormir naquela noite, tinha a certeza de que pediria demissão do jornal no dia seguinte, organizaria o dinheiro no banco e iria para Nova York, onde eu poderia ficar sossegado e cuidar da minha mãe. Assim eu fiz, estava devidamente demitido e com o dinheiro no banco. Mas minha tranquilidade não durou muito, porque quando eu voltei para casa para contar que eu tinha me demitido, minha mãe tinha acabado de desligar o telefone. Era o seu chefe. Um policial chegou no jornal assim que você saiu de lá. Ele tinha um mandado de prisão, Vince.

E agora minha cabeça doía muito e eu estava zonzo, mas eu não conseguia ligar, porque eu estava do lado da minha mãe inconsciente, ela sem o menor sinal de pulso ou respiração. Não conseguia chorar. Não conseguia pensar no que tinha acontecido horas atrás. Só queria conseguir reanimá-la de qualquer maneira. Mas era tarde demais, eu sabia disso. E a culpa me doía mais que qualquer coisa. Então eu a peguei nos braços numa conformidade que me fez querer destruir tudo à minha volta, e saí andando por entre as fileiras e por entre a bagunça do avião, sem rumo, deixando pra trás o silêncio trágico, as máscaras que pendiam do teto e as pessoas ainda desacordadas em suas poltronas. Uma porta deixava a luz do dia entrar na fuselagem, e fiquei cego por um momento quando a areia e a água do mar refletindo o brilho do sol me acertaram o rosto como um soco. Quando desci com minha mãe nos braços, vi pessoas na praia. Deitei-a na areia, longe o suficiente da maré que me consolava enquanto eu chorava ao lado de minha mãe.

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Richie olhava distraído para os próprios pés balançando ao som da música enquanto comia as batatinhas que a aeromoça lhe dera. Pensou que, se soubesse antes que haviam batatinhas e refrigerante de graça no voo, talvez tivesse sido mais receptivo a ideia de embarcar. Sua divagação só foi interrompida quando notou uma queda brusca no volume do que ouvia, arrastando-o de volta para o ambiente ao seu redor. Ele retirou o celular do bolso da jaqueta e apertou o botão em sua lateral, ligando a tela onde uma notificação dizia:

"Volume alto pode causar perda da audição

Seus ouvidos são importantes. Aumentar o volume além deste ponto pode causar danos permanentes a audição."


Ele ignorou, voltando a colocar o volume no máximo. Richard recostou o banco para trás e sequer notou a primeira turbulência. Demorou um pouco mais do que a maioria para notar a segunda, mas por mais que não ouvisse nada, não teria como não perceber a agitação que tomou conta do local. Ele arrancou os fones imediatamente, enfiando-os juntos do celular no bolso.

— O q-que foi isso!? — ele indagou o tutor que o acompanhava, tentando sem muito sucesso esconder o medo em sua voz. O homem não era de falar muito, e ele também não buscava dialogar com ele, então tinham falado só o necessário até ali. Era o tipo de cara em que qualquer terno parecia mais apertado do que devia, ostentando uma carranca fechada mas se apresentando de forma extremamente calma, não aparentando qualquer inquietação com as turbulências. Estava o acompanhando a uma semana e havia se apresentado como John Smith ou algo assim, mas Richie insistira em chamá-lo de Arnold.

Antes que ele pudesse começar a responder, porém, uma terceira onda de turbulências começou. Os primeiros gritos das pessoas começaram a surgir. Tudo acontecia muito rápido. Ele conseguiu ouvir o homem ao seu lado dizer que não era nada e tentar explicar como aquilo era comum em voos, mas suas palavras foram sufocadas quando nos recantos distantes de sua mente só uma frase ecoava em guinchos desesperados:

— PUTA MERDA, ARNOLD. A GENTE VAI MORRER!!

Quando as máscaras de oxigênio caíram, a dúvida virou certeza. Estava morto. Muito morto. Arnold estava morto. Todos naquele avião. Todos mortos. O medo tomou conta de si por completo, agarrando o encosto da poltrona com toda a força de seu pequeno corpo. Sequer raciocinou a colocar a máscara. A respiração era ofegante, as palmas no encosto escorregavam com o suor. Podia sentir o avião perdendo altitude, a sensação era vertiginosa. A visão enturvava. E então, tudo ficou preto.

***

Seus olhos abriram de leve, sua cabeça parecia ainda girar. Ele tirou o cabelo da frente do rosto e segurou a testa, soltando um murmúrio abafado. Sua cabeça doía em demasia. Ele olhou em volta, confuso. Numa primeira olhada, ninguém parecia se mover.

— Arnold!? — o homem parecia desacordado, sem responder. Richard pulou do assento para tentar olhar pela janela, sendo bruscamente puxado de volta pelo cinto. — Oh bosta! — Ele se desvencilhou, jogando o cinto com raiva e se levantando. Pôde olhar pela janela sobre o ombro de seu tutor e ver que o avião havia pousado sobre a água. — Ei, Arnold, caramba! — ele sacudiu os ombros do homem, novamente sem resultados. Ele tentou sentir a pulsação em seu pescoço, mas logo lembrou-se de que não sabia fazer aquilo.

Respirou fundo e voltou ao corredor, notando uma sombra em pé na cabine do piloto. Havia uma porta que dava para a rua, mas ele se aproximou com passos cautelosos da cabine, olhando desconfiado a figura que parecia distraída. O lugar parecia mais danificado, com fumaça e cacos de vidro por todo lado. Ao chegar perto o suficiente, porém, ainda sem o homem notá-lo, ele pôde ver que entre a fumaça e os cacos havia também sangue. Era o mínimo a se esperar na queda de um avião, é claro, mas talvez por não ter notado nenhum vestígio até então a visão tenha lhe sido mais chocante. O medo voltou a dançar em seu peito e ele deu meia volta correndo até seu assento. Arnold ainda dormia, mas ele não podia ficar ali esperando-o acordar. "Caramba, Richard, sua mãe 'tá certa.", ele resmungava consigo mesmo em pensamentos, subindo na sua poltrona e puxando sua mochila do compartimento acima. Sentiu uma vontade súbita de chorar. "'Cê estraga tudo que toca mesmo. Grande primeira viagem de avião, xará!"

Ele saltou de volta para o corredor, olhando uma última vez em volta, mas a única figura acordada parecia o homem na cabine, e daquela cabine ele queria distância. Ele se dirigiu até a porta e foi cegado pelo sol forte. Quando sua visão se acostumou a claridade, contudo, pôde pela primeira vez desde que notou as primeiras turbulências sentir-se um pouco mais leve. O aperto em seu peito pareceu afrouxar-se. Haviam pessoas lá fora, várias e vivas, e a água parecia rasa o suficiente para ele chegar a praia. Não sabia nadar. Ele colocou a mochila sobre a cabeça e se sentou na beirada da porta, saltando para fora da aeronave.

Ao pousar água respingou para todos os lados, mas estava inteiro. Tinham vários grupos espalhados pela praia, porém sua atenção logo foi fisgada por uma sequência de gritos desesperados. Era o grupo mais próximo do avião, então ele se aproximou, novamente cauteloso. Ao chegar perto logo reconheceu a garota, era a mesma garota tímida do aeroporto. Os gritos vinham do cara que havia lhe ajudado, agora caído ao chão. Haviam outros três homens a volta, um deles parecia socorrê-lo.

Este último, mais próximo do homem, se levantou e olhou em volta: — Alguém tem algum analgésico ou algo do tipo!?

— Hm... — Richard murmurou, um pouco incerto. Ele olhou em volta, mas nenhum dos mais próximos parecia ter o que o homem queria. Aquele homem caído havia o ajudado, então parecia certo retribuir. Enfiou a mão na mochila e retirou uma pequena bolsinha de dentro dela. Uma senhora simpática do Órgão de Proteção à Crianças tinha lhe obrigado a levar um monte de coisas para a viagem, incluindo aquela bolsinha. Ele esticou o objeto para o homem. — Ãhn... eu tive que trazer isso aqui... é remédio e coisas do tipo, mas eu não sei se tem um analgéstico aí dentro, cara.

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Aurora acenou com a cabeça para o homem estranho, aparentemente médico, agora mais relaxada. Continuou ao lado do seu pai, observando-o tentando não gritar de dor.

***

Um jovem homem, ao ouvir a pergunta de Andrew, respondeu, embora um pouco distante:

— Alguém certamente tem — o tom não parecia ser sério, ainda mais com o seu meio sorriso ao falar. As pessoas ao redor apenas ignoraram a falta de sensibilidade do rapaz.

Pouco tempo após um menino ter oferecido o analgésico ao Andrew, um homem, que estava em um dos grupos mais à direita, correu em direção ao médico, com desespero.

— Você é médico, rapaz? Você tem que ajudar a minha esposa e a minha filha. Elas estão desacordadas faz quase uma hora e não consegui fazê-las acordar — ele dizia aquelas palavras com uma certa rapidez e em um tom de voz muito alto, praticamente ignorando Richard e Louis, entrando no meio da conversa.

***

As pessoas que estavam ao redor de um corpo (exceto uma, que permaneceu ajoelhada e chorando), próximas ao fumante, aproximaram-se de Vincent e sua mãe, lentamente.

— Mais um corpo — ouviu alguma voz masculina dizer.
— É uma tragédia — alguma mulher disse. — Em quanto tempo vocês acham que vão nos resgatar?
— Acho que ainda hoje devem surgir helicópteros e coisa do tipo — a mesma voz masculina respondeu.

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Só foi depois que escutou o garoto lhe oferecendo uma bolsinha de rémedios básica que percebeu mais pessoas surgindo do avião. De qualquer maneira, não era hora para se distrair com isso. Pegou a bolsinha e procurou por analgésicos rapidamente, agachando-se ao lado do homem atordoado e ajudando-o a engolir o medicamento. Teve que tampar a boca dele para que não cuspisse para fora após engasgar-se, o que não surpreendeu o Shephard, o desconhecido estava há tanto tempo gritando que sua garganta deveria estar seca, engolir comprimidos sem água não era fácil.

Assim que o homem começou a se acalmar, Andrew se virou para a criança que havia lhe entregado a bolsinha.

— Obrigado, garoto — agradeceu com um pequeno sorriso. Olhou em volta, mas não conseguiu relacioná-lo com nenhum daqueles que estavam próximos. — Você está sozinho? — perguntou, curioso. Ele iria perguntar sobre os pais dele, mas preferia não correr o risco de tocar nisso caso algo de ruim tivesse acontecido.

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— [...] e não se esqueça: seu vôo é o 337 da companhia Supernova — falou o policial que acompanhava Sawyer em frente a entrada do aeroporto.

O loiro parecia não escutar uma palavra sequer que o oficial dizia, de forma proposital e rebelde, jogou a bituca do cigarro que fumava no pé do homem e adentrou para fazer seu check-in.

Após toda a burocracia padrão e cansativa que era voar, Sawyer finalmente havia embarcado no avião e se acomodado em seu devido lugar, onde ele só queria dormir, acordar em NY e deixar para trás tudo que acontecera em Londres.

Na primeira turbulência o loiro nem mesmo acordou, sendo despertado apenas na segunda e mais forte, onde já pode ver aqueles menos acostumados a voar em nervosismo crescente. E na terceira e última turbulência, foi quando Sawyer se juntou aos demais que notaram que havia algo extremamente errado. Se segurou o máximo que podia e agarrou uma máscara de oxigênio que acabara de cair a sua frente, enquanto o avião perdia altitude constantemente, até Sawyer simplesmente apagar durante a queda.

Berros desesperados, barulhos mecânicos de mal funcionamento e sons da natureza tropical chegaram aos ouvidos do loiro, que piscou algumas vezes, deparou-se com um cenário de tragédia à sua volta. Pessoas desacordadas em seus assentos, algumas claramente mortas, outras de forma que era impossível dizer a situação. Haviam muitos lugares desocupados, indicando que houvera sim um número considerável de sobreviventes que já haviam saído do pássaro de metal, fazendo Sawyer usar todas as forças que tinha para se levantar e tentar digerir a situação com mais calma agora. Ainda com dificuldade para andar, recém recuperando seus movimentos, se dirigia lentamente até a saída mais próxima, quando parou no meio do caminho ao enxergar a cabine do piloto aberta e com uma paisagem que obrigou o homem a esfregar os olhos para checar se era real. Não havia nenhum sinal do piloto, apenas um homem negro parado ali, fora isso só haviam marcas de sangue que fizeram o loiro torcer o nariz.

Havia uma enorme ilha olhando para Sawyer, enviando sensações mistas para o homem. Ele deveria estar aliviado em estar vivo? Preocupado com o lugar onde estava? Por que se sentia tão estranho?

Então finalmente algumas palavras saíram de sua boca, num murmúrio boquiaberto:

— Filho da puta... — Disse, vendo alguns sobreviventes na praia lidarem com o acidente de diversas formas, uns em pânico, outros em choque, alguns tentando ajudar os mais necessitados.

Sawyer saiu do avião, tocando o solo úmido e terroso da praia, acostumando seus olhos com a luz do sol e o ambiente em que estava. Andou de forma arrastada até um canto mais isolado à direita do avião, sentando-se no chão e finalmente podendo respirar um ar puro que lhe aliviava a cabeça e permitia que ele raciocinasse melhor.

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Kang Daniel já estava no limite de sua sanidade quando mais uma pessoa apareceu gritando, outro homem, pedindo ajuda para o aparente médico que acabara de tratar do já conhecido barbudo. Ao se virar, reparou em outro rapaz carregando o que aparentava ser sua mãe já sem vida, a imagem embrulhou o estômago de Daniel, que acabou fechando seus olhos e se jogando de vez na areia com a esperança de que alguém tomasse as rédeas e conseguisse tranquilizar, não só ele, mas os demais sobreviventes.

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"— Senhor, estou pedindo que se retire, por favor... 

— Não-não-não-não... — as mãos aflitas foram a cabeça que titubeava compulsivamente. Ele não conseguia aceitar aquilo, de maneira alguma. Os seus olhos já lacrimejantes e angustiados andaram pelo escritório inteiro antes de finalmente retornarem para os da secretária, tentando achar neles qualquer tipo de compaixão. — Pelo amor de deus, vocês não entendem... eu preciso disso! E-eu não tenho mais nada...

— Senhor, você já foi informado da decisão. — ela parecia um pouco comovida, talvez sentisse pena, e justamente por isso que tentava não prolongar aquilo, mantendo a mesma firmeza de antes. Mas não era isso que Eli queria ouvir, não depois de tanto desejar aquela oportunidade de finalmente poder ter uma vida nova. Ele finalmente ia poder começar do zero, de deixar tudo para trás, de ser quem ele sempre quis ser. Suas mãos bateram desesperadas contra a mesa, assustando a moça. 

— NÃO! Eu estou me preparando faz meses, pelo amor de deus... — ele se botou de pé e a secretária se encolheu na cadeira, ficando mais preocupada a cada segundo, mesmo que a figura do homem naquele momento, fosse tudo menos ameaçadora.  — EU PRECISO DISSO! Liga pro Michael, por favor. Michael Perkins, ele vai confirmar por mim, por favor... — ele se prostrou na mesa, quase indo de joelhos. — Liga, dona, por favor...

— S-senhor, e-eu...

— Nos já ligamos, senhor Stone. — o homem com quem queria falar finalmente saiu de seu escritório, mas diferente de como se lembrava antes, ele não carregava um semblante cordial e amistoso, mas sim uma carranca tão severa que imediatamente fez Eli se diminuir, infinitamente constrangido consigo mesmo. O engravatado trocou um olhar com a mulher que Elijah só conseguiu interpretar depois que o homem foi se pondo entre ele e ela, como se a mesma tivesse em algum tipo de perigo estando ali. — O senhor estava ciente de que não toleraríamos fraudes, e o senhor Perkins também. 

— FRAUDE?! — ele se ergueu de novo e o engravatado deu um passo para trás, lançando um olhar preocupado para a porta, à procura dos seguranças. — Eu não sou uma fraude! Não sou não, chefe! Eu só queria uma chance, ninguém me dá essa chance, por favor... — um soluço lhe escapou e as lágrimas começaram a descer por seu rosto, ele foi ao chão de novo. — Ninguém, nunca... 

— O senhor falsificou documentos! — o homem retrucou, dessa vez deixando sair o seu aborrecimento sobre toda aquela situação. — Eu arrisquei minha posição e reputação para trazer o senhor da América, tive que convencer pessoas para isso, e o senhor respondeu essa confiança com desonestidade. — Eli abaixou a cabeça e escondeu o rosto nas mãos, humilhado. Finalmente dois seguranças surgiram pela porta de trás. — E eu nem preciso falar pelo senhor Perkins, você sabe muito bem como ele está... — o homem trocou olhares com os seguranças e assentiu para que se aproximassem. 

— Por favor, eu só precisava de uma chance... — ergueu o olhar até o homem, suplicante.  O M-Michael deve me entender, é meu destino, ele sabe disso. — os seguranças se aproximaram dele, um de cada lado.

— Se o senhor tivesse sido sincero desde o início, talvez as coisas fossem diferentes, senhor Stone. — o engravatou falou isso quase com pesar, enquanto os seguranças gentilmente tentavam fazer com que Eli se levantasse, o que rapidamente foi mudando quando ele continuou insistindo em continuar ali e ainda suplicando. A essa altura já não se importava mais em se humilhar, ele só precisava fazer eles mudarem de ideia, ele só precisava de uma chance de fazer as coisas do jeito certo.

— Não, por favor! — os seguranças lhe seguram e começaram a puxá-lo para fora da sala, enquanto a secretária e o engravatado assistiam. — EU PRECISO DISSO, É MEU DESTINO! ESSE TRABALHO FOI FEITO PRA MIM, ELE É MEU! TIREM AS MÃOS DE MIM! NÃO..."

***

Em meio a toda aquela paisagem selvagem e tão enigmática, ele mal havia reparado nas pessoas que estavam espalhadas pela praia, a maioria angustiada e em volta de corpos que era seguro de se afirmar que estavam sem vida. Aquilo era mais do que suficiente para lembrá-lo da realidade em que se encontrava, fazê-lo lembrar do acidente e de que ele havia sido um dos sobreviventes. Ele respirou fundo e por fim decidiu que estava na hora de sair de seus devaneios por agora, não importasse o quanto sua mente quisesse mantê-lo imerso neles. Afinal de contas, não fazia sentido ele continuar pensando em como seria viver dentro daquele horizonte verdejante se isso estava prestes a se tornar realidade agora. 

Aquilo não era mais uma sonho.

Vendo algumas pessoas chegarem a praia, ele realizou que mais devem ter recém-acordado junto dele e já saído do avião, e que nem sequer reparou. Respirou fundo mais uma vez e olhou em volta da cabine, finalmente se dando conta do caos que estava ali dentro em meio ao forte cheiro de sangue e cinzas. Descobrindo alguns corpos ali, em meio fuligem, ele resolveu examiná-los antes de sair do avião, embora essa ideia fosse se tornando menos atrativa a cada instante em que ele passava olhando para aquela cena mórbida. Vendo aquilo, era difícil não pensar em quantas pessoas já devem ter passado direto por eles e não os reparados aqui, assim como si próprio não reparou de início.

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— Ahn, não, não... Eu 'tô com o Arnold... — ele balançou a cabeça, desatento, ainda olhando para o homem que parecia sofrer caído ao chão. "Cair de avião dá dor de cabeça assim?" — Mas ele apagou legal lá no avião e...

Antes que pudesse completar, porém, um homem que viera correndo de um dos outros grupos o interrompeu, desesperado:

— Você é médico, rapaz? — indagou ao homem com que ele falava. — Você tem que ajudar a minha esposa e a minha filha. Elas estão desacordadas faz quase uma hora e não consegui fazê-las acordar.

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Não parei de chorar sobre o corpo de minha mãe quando ouvi passos na areia, próximos de mim.
— Mais um corpo — falou um homem.
— É uma tragédia — alguma mulher disse. — Em quanto tempo vocês acham que vão nos resgatar?
— Acho que ainda hoje devem surgir helicópteros e coisa do tipo.
Ainda ajoelhado, limpei o rosto com as costas da minha mão direita, olhei para o homem por um segundo e depois fiquei contemplando, mesmerizado, a beleza floresta à frente.
─ Comecem a rezar e guardem suas expectativas ─ disse, cabisbaixo.

Última edição por Prime em Qui Jul 18 2019, 20:39, editado 1 vez(es)

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Andrew se virou para o homem que veio em sua direção, ouvindo-o com atenção.

— Eu... — Interrompeu-se antes de respondê-lo. Queria se revelar um médico ali e agora? Seu objetivo naquela viagem era justamente se afastar da profissão, pelo menos o máximo de tempo possível. Aparentemente seu recorde seria de algumas horas apenas. Suspirou. — Sim, eu sou um médico. Me leve até elas, senhor. — Se virou para o garoto: — Quando eu voltar, eu irei ver como esse "Arnold" está, certo? — Já levantando para seguir o homem, ele se virou para a garota: — Tome conta do seu pai enquanto isso. Se ele piorar, me chame imediatamente.

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— Certo! — Ele fez um "certinho", logo devolvendo a bolsinha que tinha pego de volta à mochila, jogando-a nas costas. — Eu vou estar perto do avião, mas longe o suficiente caso ele exploda.

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A floresta logo após a praia era bela e misteriosa: Alguns traços selvagens, uma densidade um pouco mais forte do que em uma floresta temperada comum. As folhas das árvores eram praticamente verdes, mas era possível ver laranja, amarelo e vermelho em alguns ramos e mais profundamente na mata. De longe, não conseguiram ver nenhuma vida macroscópica nos poucos minutos que tinham passado ali. Havia somente o som das ondas do mar e o bater das folhas das árvores com o vento.

***

Andrew foi levado até onde a filha e a esposa do homem estavam deitadas, na areia. Checando os pulsos e a respiração, não havia dúvidas: estavam mortas. No homem, havia um pouco de esperanças em seu rosto e ele estava aguardando que o médico fizesse algo para reanimá-las, como uma espécie de mago. Andrew não sabia se o homem tinha conhecimentos básicos a ponto de saber que as duas estava mortas e apenas estava desejando um milagre, ou se era um ignorante.

***

Aurora ficou com o seu pai, que havia finalmente parado de gritar e estava tentando respirar melhor. Seus olhos continuavam fechados e ele não havia falado mais nada.

— Pai? Você melhorou?

Ela não tinha respostas. Olhou em volta e percebeu a presença não muito distante do estranho que conheceu no aeroporto, que se mostrou alguém não tão estranho assim. Levantou lentamente a mão e tentou sorrir, embora, para Stéphane, a expressão da garota não parecia uma sorriso. A preocupação havia tomado conta do seu rosto infantil.

***

— Não seja tão pessimista, cara — falou o homem. — Hoje em dia esses aviões tão equipados com todo tipo de coisa. Devem perceber que ele não chegou no destino e começar a procurar.
— Se Deus quiser — o idoso disse.

***

Eli não sentia cheiro nenhum, mas não tinha dúvidas de que o piloto e o copiloto estavam mortos. Além deles, as aeromoças também estavam na cabine e todas parecem ter batido em alguma parte com a cabeça, pelo sangue. Parecia uma cena de filme de terror: sangue no chão e nos corpos, vidros quebrados, fumaça subindo e uma sensação quente ali dentro.

Pelos danos internos e externos à cabine, era difícil imaginar que aquele avião poderia voar novamente. Pelo menos sem uma manutenção de profissionais.

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Andrew suspirou e olhou para o homem.

— Sinto muito. — Encarava ele com uma expressão séria, carregava empatia suficiente para que não confundisse com frieza, mas carecia de todo resto para não criar uma conexão com a pessoa. Esse era o rosto de um médico que entregava notícias ruins.

Sua mente foi imediatamente para o resto das pessoas e, principalmente, o tal "Arnold" que havia prometido dar uma olhada, mas resolveu esperar a reação do homem ao seu lado antes de se mover.

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Eu não conseguia acreditar que aquelas pessoas estavam do meu lado cuspindo aquelas baboseiras, mesmo me vendo naquela situação.
─ Pessimismo ─ repeti, sem tirar os olhos do corpo na minha frente. ─ Me deixem em paz e vão ajudar quem precisa.

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Acima, os mais atentos conseguiam ver regiões montanhosas na ilha, mas distantes. A dimensão da ilha era imensurável: tudo que se sabia é que era gigante. Era mesmo uma ilha?

***

— Vocês não têm coração? — disse a mulher. — O homem aqui acabou de perder alguém que conhecia. Vindo ou não ajuda, o estrago está feito. Façam o que ele pediu.

Os dois homens ficaram um pouco envergonhados e se afastaram. A mulher continuou, se tornando a única pessoa ao lado de Vince. Devia ter cerca de cinquenta anos ou mais.

— Meus pêsames. E desculpe por não ter dito isso antes.

***

De início, não parecia que o homem tinha entendido o que Andrew acabara de falar. Ele olhava para o médico e depois para os corpos, alternando várias vezes.

— Como assim sente muito? Não sabe dizer a situação delas? O que eu tenho que fazer para acordá-las, doutor? Você não tem nenhum remédio que possa fazê-las melhorar igual deu para aquele berrante?

O homem se aproximou de Andrew e colocou as suas duas mãos nos ombros do médico, balançando-o enquanto falava.

— Você TEM que fazer algo.

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