Clube do Filme - Grizzly Man

Talvez a característica mais marcante da filmografia do Herzog seja a forma como ele conduz a narração em suas obras, especialmente nos documentários: sucinto, operante e especialmente provocador quando a utiliza para suas divagações próprias; uma voz doce e serena, incomparável.

Uma miscelânea irretocável de sentimentos sobre um homem que, assim como Thoreau, McCandless e outros de sua tribo, apenas seguiu o caminho da autodescoberta.

Grande documentário, sempre me prende quando envolve natureza.
Fiquei com um sentimento ruim após o final, na verdade, até o meio já me bateu um sentimento ruim sabendo do desfecho, talvez por serem pessoas reais e não uma ficção, senti a gravação momentos antes do ataque.

O que me impressionou foram as filmagens, para um amador, cara era um puta artista, pegou takes que grandes diretores devem sentir inveja. Ele realmente gostava do que fazia, nesse aspecto eu o respeito, fugiu da vida e dos fracassos, viveu uma vida autentica, com coragem e radicalismo, como ele queria. Por outro lado o que ele pregava eu já discordo, era um hipócrita, dizia proteger os ursos mas estava mais atrapalhando, no final acabou com a vida de dois ursos, não sei como ele passou tantos anos suave, mais sorte do que juízo.

Bem nítido que ele não batia bem da cabeça, deu pra notar na cena da chuva quando conversava com Deus, mas como falei, respeito pela autenticidade e pela coragem, só de ver o tanto de mosquito na tela já me deu nos nervos, imagina ficar numa cabana daquelas em meio ao temporal e chegar perto de ursos.

Uma pena o final que teve, foi burro, pregava tanto conhecimento dos ursos e não sacou que era isca fácil para um urso faminto e sem comida, li no youtube que o urso já estava de marcação e uma hora iria atacá-lo, foi juvenil. Agora penso como deve ter sido o ataque, sensação ruim só de imaginar, ser comido vivo, do nada, pior ainda que levou a namorada, mas acho que ela não sobreviveria na mata de noite mesmo que corresse.

Me lembrou aquele outro biólogo que gravava, era famoso por enfrentar crocodilos e acabou morrendo para uma arraia em plena gravação, com bichos não se da para brincar.

Excelente documentário, gostei das cenas das raposas também, cara viveu a vida como poucos.

Sobre o aspecto documental, o Herzog me lembrou muito o Eduardo Coutinho, ele evita ao máximo se inserir e deixa o assunto falar por si, o que aqui contribuiu bastante (e ele mesmo admite no doc) foi o um trilhão de horas de filmagens de encenações naturais do próprio Treadwell. E ele tá certo em achar que essas imagens são puro ouro cinematográfico. Tem uma aura sinistra ver essas filmagens hoje em dia, já com esse distanciamento temporal, sabendo o que rolou e como rolou. Eu até estranhei em alguns momentos que ele invade demais o filme (tipo quando ele pergunta pra ex/amiga se ela se considerava a "viúva" dele, que soou desnecessário e a cena inteira é esquisita). A cena que ele ouve o áudio da morte é do caralho, tho.

Mas é impressionante que tenham deixado acontecer o que aconteceu, é tão claro pelas filmagens que o cara sofria seriamente de algum distúrbio entre depressão, bipolaridade e autismo, muito provavelmente os três. Qualquer imbecil via que o maluco precisava de ajuda médica e deixaram ele ir viver com ursos. Ele parece literalmente suicida em vários momentos. O cara se emocionava por tocar em cocô... O baseado piloto de bigode lá foi escrotíssimo, mas mandou a real. Era uma tragédia anunciada. Em alguns momentos eu senti a narração um pouco julgadora com relação ao Treadwell, meio que dizendo "ele tava errado", e apesar ele claramente estar completamente errado, achei meio escroto também porque o cara era praticamente retardado. Ele não tava fazendo porra nenhuma ali, mas com certeza acreditava 100% que sim, mesmo que toda a batalha de proteção aos ursos tivesse acontecendo só na cabeça dele. Com as raposas por exemplo era bem claro que de fato havia uma relação de cumplicidade, só faltou alguém mentalmente são para tirar ele, gostasse ou não, de perto dos ursos. O 'lado dele' são os amigos, que são quase tão pirados quanto ele. Mesmo sabendo que não era a proposta, acho que seria válido o documentário apresentar seja algum lado ambiental, seja reconhecer o fato dele ter severos problemas psicológicos e emocionais que fizeram ele querer se provar de tal forma que tava disposto a morrer por aquilo. No final acho que muita gente vai só sentir que ele era um grande idiota.

É muito interessante como inicialmente o Treadwell é apresentado apenas como um apaixonado pela natureza, a seleção de cenas para representar isso são bem precisas. Além do fato de ser possível sentir uma conexão dele com os ursos na forma que interagia com eles e com as raposas, constantemente conversando com eles e dizendo que os amavam. Tudo isso parecia ter um significado muito bonito.

Mas é da metade do filme em diante que uma nova perspectiva é passada, de forma mais realista, crua, a gente percebe o quão imprudente o cara era mesmo com toda sua paixão pela natureza. Os relatos dos dois pilotos, que eu não tinha dado tanta importância para as críticas deles com Timothy, passaram a fazer mais sentido e se mostraram bastante sensatas. As filmagens mostradas a partir desse ponto entregam menos dessa ligação especial — e um tanto quanto fantasiosa — do homem com a natureza e mais desse lado irresponsável e possivelmente perturbado do ambientalista. Eu não sei o quão afetado era o psicológico do cara pelo problema com álcool e drogas ou até mesmo pelos verões em isolamento na vida selvagem, mas de qualquer forma, era uma figura e tanto.

Apesar de ser óbvios os motivos de não ter os áudios da morte dele e da mulher no documentário, achei que faltou esse choque no espectador, a parada parece ser realmente brutal pela reação do diretor. (Ainda mais que a porra da mulher não destruiu a fita, pra que guardar então essa desgraça?) Mas de qualquer forma a parada tem seu peso por si só no momento em que a situação toda era uma crueldade premeditada e que mesmo assim estava tudo bem para o Treadwell ter esse destino caso chegasse a acontecer, como acabou acontecendo...