Autora: Daenerys

Desmascarando o inimigo

Era o fim. O fim de todo aquele conflito que tomou conta do mundo por anos. A Segunda Guerra Mundial finalmente chegara ao fim. Eu vi meu país quase atingir a aniquilação total, passamos pelo pacto Ribbentrop-Molotov, nosso território foi tomado pelo Exército Vermelho e Wehrmacht, perdemos milhares de vidas judias. Eu não tinha esperanças de que as coisas fossem melhorar. Mas melhoraram.

A Lituânia finalmente estava livre, todo aquele tormento virou passado. Mas será que teríamos estrutura psicológica para vivermos como antes?

Me chamo Maëlys Zajanckauskas, tenho 19 anos, sou uma sobrevivente da Guerra e, juntamente com meu irmão caçúla, Mykolas, estava presenciando um furdúncio imensurável na Praça da Catedral de Vilnius, a nossa conturbada capital, próxima do Mar Báltico e da fronteira com a Bielorrússia.

O povo se sentia livre, se sentia gente novamente. Até as árvores pareciam mais vivas. Em cada canto daquela praça jazia um sobrevivente, e a sensação de vitória estava escancarada em seus rostos pálidos como a neve. Nos dias seguintes, um grande número de poloneses seriam expulsos do nosso país, muita coisa iria mudar, menos a nossa dependência da União Soviética.

Porém, nada disso importava, só se falava em comemoração.

Nas extensas paredes da Catedral estavam pregados alguns anúncios de um evento que aconteceria no mesmo dia. Haveria um baile de gala, no grande Palace of the Grand Dukes of Lithuania, o que me deixou boquiaberta, afinal, esse palácio havia passado por alguns problemas no passado.

Mykolas e eu estávamos sem rumo. Nos tornamos órfãos. Nossos pais caíram numa armadilha e foram atacados pelos hiwis, um grupo de lituanos traidores, que apoiavam o Partido Nazista. Conseguimos sobreviver num esconderijo próximo da Porta da Madrugada, que já é um monumento sobrevivente por si só.

Não sabíamos como faríamos, não tínhamos mais uma moradia fixa. Com a perda dos nossos pais, a nossa ida ao baile, bem como nossa sobrevivência, estava cada vez mais em jogo.

Após todas as comemorações, rumamos em direção ao nosso antigo endereço, localizado a uns 4 quarteirões dali. A caminhada foi silenciosa, lenta, aquele começo de tarde gélida serviu para refletir sobre a comemoração daquela noite... Se é que tinha algo a se comemorar na nossa família. Chegando lá, o cenário com o qual me deparo é lastimável. Minha casa, o lugar onde eu soube o verdadeiro significado de amor e proteção, que abrigava os melhores momentos da minha vida, estava estraçalhada.

Os soldados soviéticos destruíram tudo, nosso quintal estava recheado com nossos pertences, lembranças expostas como se não fossem muito mais do que meramente entulhos. Tudo isso me doía, ao observar aqueles objetos, um turbilhão de sentimentos devorava cada centímetro do meu corpo. Saudade. Medo. Insegurança.

Fiquei por longos minutos ali, estática, até notar que estou sendo observada. De relance, tento enxergar a figura que se mantinha há poucos passos de mim. Um rapaz maduro, pequeno, de um sorriso branco e genuíno me observava num silêncio incomum.

- Não fique assim, a casa não foi totalmente devastada - disse, enquanto agachava-se para me ajudar.

- Perdão, mas são tantas coisas, que nem sei como continuar.

- Compreendo perfeitamente, senhorita. Todavia, uma jovem tão encantadora como você não deveria estar chorando, hoje é dia de festa. À propósito, tem companhia para o baile desta noite?

- Eu nem sei se conseguirei ir... - disse a jovem, cabisbaixa. - Não tenho roupa.

- Não seja por isso, lhe arranjo o vestido mais bonito da cidade, para a moça mais bonita.

Era um rapaz encantador, além de um exímio galanteador. Seus olhos, claros como o céu celestial, transmitiam uma paz interna que há tempos eu desconhecia, sua destreza com as palavras me confortava intensamente, por alguma razão eu me sentia segura com aquele semblante enigmático que eu conhecera há poucos instantes. Se movia com tal graça e leveza, que eu me perguntei se ele realmente tinha consciência de todo o conflito que tomara conta do nosso país.

- E então, aceita ir ao baile comigo? - perguntou enquanto se levantava e estendia a mão para mim.

- Eh... Aceito.

Notei algo curioso. Sua mão estendida possuía um dedo a mais, uma réplica perfeita do dedo do meio.

- Perdão pela indelicadeza, é que eu nunca conheci alguém com isso antes - justifiquei, após perceber que eu estava encarando sua mão por um bom tempo.

- Não se preocupe, isso é mais rotineiro do que imagina.

Tivemos uma conversa duradoura e até divertida diante das adversidades à partir daí, aquele rapaz, que se chamava Ed, era uma criatura fenomenal.

Horas se passaram, e o grande baile finalmente começou. Ed havia me presenteado com um belíssimo vestido vinho de cetim com alguns bordados na parte superior, era a coisa mais linda que eu já vi. Eu me sentia uma princesa que havia acabado de conhecer seu príncipe encantado.

Todo mundo estava muito sorridente e feliz, o palácio estava deslumbrante e extremamente festivo. Enquanto Ed foi buscar bebidas, decidi dar uma explorada pelo palácio. Subi as escadas e segui até o corredor externo, constituído de uma arquitetura antiga, com vários arcos emoldurando a passagem.

Percebo a presença de um homem no recinto, o que me deixou aflita. Era alto e vestia-se todo de preto, mas um adereço em específico instigou a minha curiosidade. Usava uma máscara que cobria apenas a metade de seu rosto, deixando em evidência um ferimento no lábio superior, tornando a sua pessoa extremamente intimidante. Apreensiva, tentei me afastar lentamente daquele ser, mas à medida que eu recuava até as escadas, ele seguia em minha direção. Eu não sabia como fugir de uma forma sutil. Quando finalmente estava conseguindo escapar, o homem apressou o passo e se posicionou entre o acesso às escadas e eu.

- Não deveria estar sozinha nesse ponto solitário do castelo... Pode ser muito perigoso - disse, lançando um olhar sugestivo.

Sua voz era tão sombria quanto seu olhar penetrante, suas palavras arrastadas alimentaram um pavor inexplicável, eu me sentia como o clássico clichê da donzela indefesa correndo perigo.

Não respondi, apenas corri ao pátio central do palácio, procurando freneticamente por Ed, o meu único porto seguro naquele lugar. Quando finalmente o encontrei, detalhei minunciosamente o encontro com o ser enigmático.

- Não troque UMA palavra com esse rapaz, Maëlys. Acredite, ele está perdendo a cabeça essa noite - disse, aflito.

Minutos se passaram, e uma baderna tomou conta do castelo. Uma pessoa havia sido encontrada morta nos jardins do fundo do palácio, o que ocasionou uma gritaria absurda, e as pessoas, cada vez mais frenéticas e apavoradas. Com o empurra empurra, acabei fugindo para uma área isolada, razoavelmente próxima do local do assassinato.

- Eu avisei para não ficar sozinha...

O desespero tomou conta de mim por completo, eu não tinha mais o controle das minhas pernas, que ficaram totalmente bambas. Seria eu a próxima vítima? Não aceitaria ter um fim desses, não após ter sobrevivido a 2ª Guerra Mundial. O que seria de Mykolas sem mim? Não, eu não poderia permitir.

- O que você quer? Quem é você? Por que está me perseguindo? - perguntei, olhando para todos os lados possíveis, na esperança de recorrer a alguém.

- Ele fez a sua cabeça, né? Tenho certeza de que ele disse coisas horríveis que eu fiz - disse, se aproximando de mim.

- Se você der mais um passo, eu vou gritar!

- Não precisa gritar, só precisa acreditar em mim.

Dito isso, aquele homem retirou a máscara que cobria a metade do seu rosto, e o que eu vi a seguir me deixou perplexa. Sua face era totalmente desfigurada de um lado, como se tivesse sido devorado por cachorros, uma imagem totalmente perturbadora e agoniante.

- Me chamo Mason, senhorita...

Enquanto eu estava petrificada observando o sujeito deformado, fomos surpreendidos pela chegada de Ed, com um visual bem diferente do de poucos instantes atrás. Estava com o cabelo desgrenhado, olhar sedento, e suas roupas totalmente cobertas de sangue, além de algumas folhas e galhinhos.

- Eu avisei para não trocar UMA palavra com esse homem, Maëlys - gritou, extremamente agressivo, fazendo eu ter medo dele, pela primeira vez.

Ao notar que Ed portava duas facas, Mason se jogou em cima dele, travando um combate corpo a corpo, e eu, instintivamente, fugi. Corri o mais rápido que pude, até encontrar um emaranhado de arbustos próximos da cena do crime, o esconderijo perfeito, por ora. O desespero me gerou alguns arranhões, nada grave.

O silêncio proliferou aquela região, minha curiosidade era inversamente proporcional à vontade de encontrar Ed daquela forma tão... horripilante. Quando afasto alguns galhos na tentativa de espiar o que estava realmente acontecendo, fui atacada com a aparição de supetão de Ed.

Senti que seria meu fim. Por que aquele príncipe de horas atrás havia se transformado nesse monstro? O que aquele Mason fez a ele? Tanto pânico, tantas perguntas... Não houve tempo para serem respondidas.

Ele me golpeou algumas vezes na cabeça, até eu apagar por completo.



- ... E foi assim, Jack Crawford, que eu conheci Hannibal Lecter, que mentiu sua identidade pra mim o tempo todo.

- Obrigado pelo seu depoimento, Maëlys, pode ter certeza de que sua contribuição foi muito útil, bem como a de Mason Verger, que impediu que Hannibal a devorasse. Espero que fique bem.

Jack Crawford se retira do quarto do hospital, marchando até o final do corredor, onde encontra um rapaz sentado num banco, aparentemente esperando o mesmo sair do recinto.

- Já temos Mason Verger e Maëlys Zajanckauskas, quem será o próximo a sobreviver aos ataques de Hannibal Lecter, Will Graham?