Bah, que filme complicado de se comentar.
Ele tem vários pontos fortes e vários pequenos defeitos. Tenho alguma mínima noção sobre os (sérios) problemas de bullying, depressão e suicídio no Japão, mesmo que principalmente por meio de outras obras de ficção, e enquanto achei Koe no Katachi incrivelmente realista e sensível em alguns aspectos, me pareceu um pouco inverosímel em outros.
Em aspectos técnicos não há nada a se reclamar, o filme já abre com uma imagem linda de alguns peixes e, logo depois, tocando The Who. Apesar de eu não ser o maior fã desse tipo de character design, é fofinho e a qualidade da animação é de alto nível, assim como a trilha sonora que ajuda em várias cenas a compôr o clima de tristeza/exclusão. Não que eu entenda de direção, especialmente em animações, mas eu gosto quando a câmera foca em alguns pequenos detalhes, como a mão do personagem apertando o grafite da lapiseira ou segurando o bagageiro da bicicleta. Dá algum toque de realidade àquelas situações cotidianas.
No primeiro ato o filme é bem introduzido, não demorou a me fisgar e a me fazer sentir raiva do protagonista, mas ali já começaram as pequenas coisas que me incomodariam mais para a frente. Eu consigo comprar que as crianças são inerentemente criaturas diabólicas e inclinadas a atos de pura maldade, então eu aceitei a ideia de que quase todos ali agiam de má fé, se "divertiam" e, na hora do aperto, foram unânimes em encontrar um bode expiatório para pôr a culpa. Incluo nessa até mesmo o professor omisso, que diz claramente que todos sabiam que era ele, mas não fez nada para impedir. (Fiquei esperando essa discussão surgir, mas ela acabou caindo noutra personagem ainda mais filha da puta)
Acho que o filme podia ter explicitado um pouco mais o porquê deles se "incomodarem" com ela nessa parte, o fato de causar alguns (váriasaspas)atrasos(váriasaspas) para a turma e que seria a (váriasaspas)justificativa(váriasaspas) para o bullying, mas tudo bem. As pistas estavam lá.
Já na transição do primeiro pro segundo ato me vi perdido em alguns momentos. Na parte da Sahara e da Ueno, por exemplo, tinha entendido que estudavam longe dos protagonistas e não se viam a cinco anos, mas logo estavam se cruzando coincidentemente e saindo juntos. Não que isso seja um grande problema, claro, mas me deixou com a sensação de que alguns assuntos ficaram superficiais pelo fato de a mídia original (mangá) ter muito mais tempo para desenvolver história e personagens, mesmo sem eu tê-lo lido. O personagem ruivo, por exemplo, vem de lugar algum e vai para lugar nenhum, sem acrescentar absolutamente nada a trama. Esperei também algo com relação ao amigo loiro dele que ajudou a o culpar, mas só teve uma cena de segundos e uma citação no final. Não sei se essas coisas são discutidas no mangá, na verdade, mas são coisas que eu senti falta. O ponto principal do filme, contudo, que é a redenção do Ishida, foi muito bem lidada. Eu terminei o primeiro ato torcendo pra ele se foder muito, mas em certa parte eu estava torcendo por ele, então pontos ao filme por isso.
Em certo ponto quando se encaminhava para o final eu fiquei com o medo do filme cagar tudo com a morte do Ishida salvando a Shouko. Seria transformar a vítima, a Shouko, numa culpada, e o filme naquele momento flertou com essa possibilidade. Mesmo que não tenha acontecido, essa cena me incomodou por um motivo que eu não tinha pensado até ali: eu não sabia o porquê de a Shouko querer se matar. Ok, tinha o bullying e ela meio que explica depois, mas é de forma superficial, e eu notei ali que a gente sabe muito pouco sobre ela no decorrer do filme. Talvez isso seja por eu não ter me identificado tanto com o Ishida, tenho noção de que é um ponto completamente pessoal, mas eu sinto que o filme perdeu uma oportunidade de se fazer ainda mais relevante se tivesse focado no ponto de vista dela. Os dramas dele, o isolamento (e gostei muito do aspecto visual dos X's nos rostos, podiam ter se usado mais de artifícios do tipo para a linguagem de sinais) e a depressão, foram interessantes, mas eu acho que ela tinha muito mais a oferecer como personagem do que o mostrado.
Sobre as reclamações do Guliel, nada daquilo realmente me incomodou. É o "só falar para ela, funciona comigo", se o mundo fosse simples assim... Com exceção do sapato, discordo das outras situações, ainda mais tendo em mente a realidade japonesa. Achei o filme bem realista nesse sentido das relações humanas. Porra, se tu pensou “PORQUE TU DEU A SUA BICICLETA, IMBECIL?!”, tu não tava entendendo era porra nenhuma do arco do personagem.
Agora, o que talvez mais me incomodou, foram as personagens Kawai e Ueno. A primeira, e aqui talvez também pelo pouco tempo disponível, parece ser inocentada pelo filme o tempo inteiro, quando na verdade é uma das personagens mais escrotas ali. Ela praticamente personifica aquele comportamento de empurrar a culpa em cima de outro enquanto chora para tirar a atenção de cima de si, completamente manipulativa, mas acaba com a pinta de boazinha. Ela fez merda (e o filme não ignora isso, tanto que a Ueno a acusa de rir e depois apontar o dedo), nunca admite ou aceita seus erros, e isso não tem qualquer tipo de consequência. Já a Ueno representa bem os meus sentimentos mistos sobre o filme, as vezes ela é a personagem mais realista ali, a única a falar o que realmente se pensa, mas por outras parece que pesaram a mão ao vilanizarem ela. Por mais que eu acredite que nós somos ruins, faltou qualquer tipo de justificativa mínima para mim acreditar que ela é aquela pessoa horrível que fica o tempo todo diminuindo, humilhando e abusando psicológica e fisicamente de uma pessoa que ela não via a 5 anos, simplesmente porque sim. Por vezes, me lembrou o maior vilão de todos os tempos, DIO BRANDO WRYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY.
Sobre o final, apesar de compreender que o filme não é necessariamente um romance, ele introduz o conceito e não o conclui. Terminou o filme e ele continuou sem entender o que ela disse quando entregou o presente, o que me deixou com o sentimento frustrante de ter um assunto não acabado quando o filme chega ao fim e não há nenhum indício efetivo de relacionamento dos dois. Ainda assim, a cena final foi muito bonita, eu realmente gostei daquela sacada dos X's.
Enfim, já falei pra kct e não disse quase nada. Eu também dei 3.5/5, mas realmente gostei do filme. Quando se vem escrever aqui é sempre muito mais fácil falar daquilo que incomodou do que tecer elogios, mas na verdade eu achei que o filme chega muito mais próximos de criar situações realistas do que inverossímeis. A maior pena, talvez, tenha sido o fato de ser um filme, quando a história caberia melhor num anime, com pelo menos uns 10 episódios para explorar a história e seus personagens à pleno.