Só pra não passar em branco a parte técnica do documentário, que sorte demos de ser um gringo na direção, porque se a situação fosse outra teríamos aquele formato que já deu no saco com relatos no estilo programa de TV, provavelmente com a Xuxa e Adriane Galisteu comentando qualquer aleatoriedade genérica sobre o Ayrton. Como não foi o caso, temos apenas a narração de alguns nomes que realmente tiveram importância nesse lado da vida/carreira que
Senna tenta mostrar nesse ótimo conjunto de imagens bem selecionadas e entrevistas com boas histórias informativas. Direção fluída, linear e direta sem abusar de clichês e/ou elementos que pouco agregam ao trabalho e servem só pra enfeitar a obra, como seria o caso se tivessem seguido a linha que citei anteriormente caso fosse de algum diretor brasileiro.
Tive uma experiência muito agradável ao assistir esse documentário que fez bater o sentimento de nostalgia ao puxar lá na minha infância aquelas manhãs de domingo em que eu acompanhava F1 com meu irmão. Apesar de nunca mais ter assistido e achar que virou uma chatice (como muitos outros esportes que perdi o interesse e dropei), teve seu espacinho no meu coração entre os 7-12 anos. E em específico sobre o Ayrton, talvez por influência da minha família que tem vários fãs do cara (inclusive o sogro do meu irmão tem um quadro autografado e uma réplica em miniatura do simbólico capacete), sempre acompanhei a história dele e as reprises em reportagens da Globo.
Vou me estender pra krl mesmo, foda-se, mas bora lá falar da carreira dele que é o tema da indicação.
No início dos anos 80 já se criava uma expectativa em cima do Senna pelas boas atuações nos treinos e testes com as grandes equipes da época McLaren e Williams, que já mostrava o potencial do cara pelos recordes quebrados antes mesmo de estrear. Mesmo com a atenção das equipes renomadas da competição nele, foi a menor das equipes interessadas no piloto que deu início da histórica carreira dele: a Toleman. O momento de provar seu valor havia chegado e de acabar de vez com os rumores de que ele era só mais um burguês safado que entrou no esporte graças ao poderio financeiro do papai. Gostei que mencionaram mesmo que brevemente no doc essa questão, porque acreditem ou não, esse argumento foi muito defendido pelo exterior para diminuir o Ayrton e até mesmo o povo brasileiro criticando um futuro ídolo precocemente, sem nem ter visto ele correr (mesmo que não tenha demorado muito pra quebrarem a cara). Sendo assim, uma pressão começa a se formar em cima do piloto que tinha a difícil missão de mostrar todo seu potencial representando a Toleman. E adivinha só? Ele conseguiu mostrar que estava naquilo por um motivo e que definitivamente era mais sobre seu talento e ambição do que qualquer outra coisa.
O GP de Mônaco, em 84, pra mim é a mais brilhante e memorável atuação do Senna em toda sua carreira, até mesmo que seus títulos mundiais. Ele tinha somente 24 anos e correu como se fosse o mais experiente daquele circuito, ultrapassando diversos nomes cotados como favoritos pro Grande Prêmio, até mesmo o vencedor e presente durante todo o filme, Prost. Pra quem largou em 13º e acabou em segundo lugar, mesmo com a adversidade da chuva, interrupção da corrida e desvantagem do veículo comparado aos top de linha, foi uma puta dum resultado e todos sabem que ele foi o vencedor moral daquele GP.
Outro momento da carreira do Senna que eu gosto bastante é logo no ano seguinte, em 85, quando ele fecha com a Lotus e pilota o
carro mais bonito da trajetória dele (você pode discordar, mas saiba que está errado). Infelizmente só era bonito por fora mesmo, porque ele foi prejudicado diversas vezes pela mecânica inferior do veículo comparado as outras equipes. E mesmo assim conseguia se destacar, papando as pole positions tudo e terminando o ano muito bem para alguém que estava recém iniciando sua trajetória no automobilismo mundial. E foi durante esse período na Lotus que ficou claro que ele era acima da média, e posso falar com tranquilidade que ele já era o maior piloto desde essa época, porque nem o próprio carro aguentava acompanhar o ritmo do Ayrton. Ele já estava a frente do seu tempo e era notável que podia brilhar de vez com uma equipe maior. (Volto nessa questão da tecnologia daqui a pouco, tenho uma curiosidade a pontuar)
Depois desse início meteórico, Senna já tinha tudo em mãos pra se consagrar o melhor de todos e comprovar isso em títulos. Tinha cinco anos de experiências e altas performances no seu currículo e agora fazia parte de uma das (se não a melhor) equipe da época que era a McLaren, ao lado de um dos melhores nomes da década que era o Prost. O documentário dá uma atenção especial a relação desses dois que eu curti bastante, porque o Alain tem uma importância na vida do Senna, tanto pela rivalidade que só fazia com que ambos crescessem, quanto no drama e interesses políticos que passaram a interferir na McLaren e na competição.
Apesar de eu considerar o auge dele nos seus primeiros anos, foi durante esse período em que correu pela McLaren que ele conquistou os maiores títulos da carreira dele e onde quebrou inúmeros recordes. O filme mostra bem como a relação dele com o Prost foi deixando de ser um coleguismo e passou a ser uma rivalidade nem tão sadia, mas que obrigava os dois a darem a vida para provar da forma que podiam quem era o melhor. É nessa época que começa o que dá pra chamar de "jornada mental" do Ayrton, que no documentário acaba por ficar meio deixada de lado talvez pelo foco na imparcialidade, o que obviamente não é algo ruim, porque o trabalho mesmo estrangeiro não tenta diminuir o Senna em momento algum (e nem o contrário, como seria o caso de um diretor brasileiro que daria aquela puxadinha pro lado do nosso patrimônio). Apesar de vermos um Alain Prost um tanto quanto reclamão e discutivelmente mal perdedor (vide o relato do brasileiro sobre as desculpas que o rival arrumava depois das corridas), é bom pontuar que ele era um grande piloto e quase estragou a festa brasileira em todas as oportunidades. Porém, meu ponto nisso tudo é: Ayrton Senna sabia que era o melhor piloto e tinha que saber lidar com isso sem deixar que a ciência de ser o nº 1 o atrapalhasse. Achei que faltou abordar um pouquinho mais essa questão psicológica do brasileiro, porque houveram momentos questionáveis até ele se consagrar de vez. Tanto que dos três títulos mundiais dele, dois não saíram exatamente como ele queria.
Apesar das ressalvas que pontuei, Ayrton vencia y vencia, quebrava recordes e mais recordes, cravava seu nome na história do automobilismo e dos esportes em gerais. Já era um fenômeno, um ídolo para a nação brasileira. Além de um exímio piloto, tinha um conhecimento da modalidade que nem todos que colocavam o capacete tinham. Podemos ver isso nos momentos do documentário em que ele claramente é prejudicado por decisões de favorecimento a outros competidores e de situações políticas que dá pra colocar na conta do Balestre, o qual a gente percebe que era um baita dum cuzão só pelas filmagens. Aquela ameaça de tirar a licença do Ayrton em público foi de fudê
No entanto, mesmo com todas essas situações contra ele, sempre se mostrou profissional e implementou ideias e sugestões para não só defender o seu lado como também em prol do esporte em si.
Chegando no final da trajetória de Ayrton, podemos voltar para aquela questão que citei anteriormente e prometi voltar: A tecnologia. Senna já havia chegado ao topo, contra tudo e contra todos, vencera os queridinhos da FIA diversas vezes, vencera com carros ultrapassados, vencera nas situações mais adversas possíveis (seja em clima ou outros fatores externos) e agora se via num momento chave de sua vida que era permanecer no topo. E agora quem seria a responsável por manter o protagonismo do piloto era a Williams. A equipe estava numa crescente notável no ramo automobilístico e poderia proporcionar ao melhor piloto (de todos os tempos?) um time de profissionais capacitados e um veículo com tecnologia de ponta. Prost já havia se aposentado, basicamente deixando o caminho livre para Senna. Nada podia pará-lo, nem mesmo o jovem Schumacher que estava em ascensão e cada vez mais ganhando notoriedade. Mas as coisas não foram bem assim...
Com a mudança no regulamento sobre os sistemas eletrônicos, a Williams entregou um veículo remontado e com diversas funções removidas para o tricampeão mundial. Todos acreditavam que uma tecnologia avançada combinada a um piloto da qualidade de Ayrton seria a fórmula de sucesso. Mas ao invés disso, tivemos como resultado um exímio automobilista com um carro nada mais do que veloz, que o próprio não conseguira dominar e em vários momentos podemos ver ele criticando o seu veículo e pedindo soluções para sua equipe. A Williams não foi a solução dos problemas de Ayrton e outros pilotos já começavam a dar sinais de que se destacariam naquele ano (94), como o próprio Schumacher.
Como uma peça pregada pela vida, uma ironia do destino, Senna acaba sofrendo o acidente que resulta em sua morte e comove uma nação inteira por sua idolatria. No documentário todos apostam em falha mecânica com uma pitada de azar, uma infelicidade, que por centímetros não evitou o "adeus" de uma lenda esportiva. Aquelas filmagens dos últimos momentos do Ayrton antes da corrida, distante e reflexivo, parecendo incomodado com algo... O Galvão estava atrasado na narração, porque foi naquele momento em que o "Senna bateu forte".
Excelente trabalho do Asif Kapadia em mostrar que o Ayrton era muito mais do que três títulos mundiais e dezenas de vitórias, porque números até um Vettel pode ter mais que ele (ou um Schumacher, um Hamilton e até mesmo o próprio Prost), mas o brilhantismo é para poucos. Uma figura histórica e representativa do nosso país, talvez até mais que Pelé. É por isso que fiz questão de citar meu gosto particular pelo período em que Senna competia pela Toleman/Lotus no início de sua carreira, porque lá era evidente que ele estava acima dos outros nos mais variados quesitos: técnico, visão do esporte, aceleração, precisão, tempo de recuperação, ultrapassagem, curvas, pistas estreitas e/ou molhadas. Talvez historicamente ele não seja o maior, se levarmos apenas os títulos em consideração, mas o ponto é que nenhum outro piloto conseguiu os feitos, títulos e recordes da maneira que Ayrton Senna da Silva conquistou.