Autor: LazarusR


Importante

Não sei se ainda há tempo para participar. Caso não seja possível, não tem problema. De qualquer modo, segue minha fic. Havia sido criada para participar do concurso original. Por motivos de falta de tempo para revisar, acabei não postando da primeira vez. Então, ela acabou esquecida em meu HD, entulhado até o último MB. Seja como for, acabei de reencontrá-la. Obviamente, continua tão sem revisão quanto antes. Mas, se dependesse disso, jamais veria a luz do mundo mesmo...

Valendo ou não, espero que aqueles dispostos a ler pelo menos não se entediem demais. Desde já, agradeço pela atenção.

Testemunhas Finais


Nós assistimos quando tudo começou. Foi difícil entender. Difícil aceitar. Em vários pontos diferentes do planeta, pessoas mortas começaram a retornar. Hospitais foram os primeiros lugares a perceber que isso estava acontecendo. Mas, é claro, não eram necessariamente os primeiros locais aonde essa coisa começou a acontecer.

É verdade que os “renascidos”, como ironicamente passaram e ser chamados, não continuavam realmente mortos depois que despertavam. Eles respiravam e sangravam, mas eram mais resistentes que as outras pessoas. Não sentiam mais dor e forçavam seus corpos além daquilo que poderia ser normalmente suportado. Não duravam muito. Só que, mesmo assim, causavam grandes estragos antes de serem destruídos. A coisa mais apavorante nisso tudo era aquilo que acontecia com a mente dos renascidos. A personalidade e memórias que possuíam antes da morte era completamente apagada, substituída integralmente pela vontade irresistível de morder e arranhar outras pessoas. Eles gritavam e corriam sem parar, se espremendo entre grades enquanto seus ossos trincavam e atravessando vidraças mesmo enquanto a própria carne era retalhada. Quando os ferimentos incapacitavam seus corpos, ficavam caídos, se debatendo e berrando furiosamente, até que seus corações parassem de vez.

Os dias foram se passando e focos locais dos renascidos causavam muitas vítimas. Quem sobrevivia aos ataques desenvolvia uma febre mortal e morria em questão de horas. Se o corpo não fosse devidamente destruído (órgãos principais ou sistema nervoso central danificados) a vítima retornava como um novo agressor.

Logo ficou claro que se tratava de uma doença e que todos já se encontravam infectados por ela. Afinal, qualquer um, mesmo aqueles que morriam sem ser atacados pelos renascidos também despertavam. Portanto, o comportamento transmissivo dos renascidos não fazia nenhum sentido evolutivo. Assim como as manifestações mundiais simultâneas da epidemia, essa era outra evidência incontestável do designe artificial, tanto do patógeno quanto de sua disseminação. A sociedade estava diante de um atentado biológico consistentemente elaborado. Apesar disso, ninguém conseguiu descobrir quais seriam os motivos dos responsáveis.

Enquanto o medo se infiltrava mais e mais profundamente na sociedade, a produção de bens e serviços começou a declinar. Diferenças sociais ficaram cada vez mais acentuadas e manifestações populares violentas se tornaram mais frequentes. Cada governo reprimia os conflitos do modo que podia, mas eles estavam lutando uma batalha em duas frentes. Não era possível controlar os renascidos e manter a ordem da sociedade ao mesmo tempo. Lentamente, começaram a se enfraquecer e se tornaram menos presentes.

A situação fugiu totalmente de controle 35 dias após o início da epidemia. Novamente, o problema começou de forma mundial, só que dessa vez havia um padrão muito claro: O evento acompanhava a linha da aurora. Pouco antes de o Sol iluminar a face ensombrecida do planeta, a comunicação que fluía nas cidades enlouquecia: Transmissões jornalísticas emergenciais e improvisadas, entrecortadas por muita estática, se misturavam com ordens militares, emitidas em todas as frequências disponíveis e não criptografadas. Havia interferência demais, além da sobrecarga comprometendo o sistema em si. Mesmo assim, conseguimos entender algumas coisas. Basicamente, os “renascidos” estavam surgindo em toda parte, a plena capacidade, comprometendo todas as instalações de dentro para fora. Captamos algumas imagens fragmentárias e mal iluminadas ao vivo do Japão, além de alguns outros locais. Apavorante é uma palavra insuficiente para classificar aquilo que testemunhamos.

Legiões de “renascidos” varrendo as ruas como um tsunami vibrante, repulsivamente vivo. Engolfando as pessoas pelo caminho ou chovendo dos prédios sobre elas, tudo que se podia ouvir era o estilhaçar de vidros e o rugido ensurdecedor dos mortos insones. Pouco antes da alvorada, podíamos discernir as gigantescas colunas de fumaça, iluminadas com a luz pulsante e alaranjada de incêndios incontroláveis. Então, as comunicações caíam de vez.

Concluímos que a praga não era tão inofensiva aos hospedeiros vivos quanto pensamos no início. Ela deve ter matado uma porcentagem enorme da população durante o sono. Isso explicaria o motivo para alguém se dar ao trabalho de infectar o planeta simultaneamente: Quando esse gatilho tardio fosse ativado, seria impossível controlar a nova situação.

Além de nós, outras nações perceberam que havia algo muito errado acontecendo naquela hora. Posso imaginar suas tentativas de estabelecer contato com seus correspondentes estrangeiros, sem sucesso. Ou a pressão insuportável de saber que algo grande estava chegando, mas não havia mais o que fazer. Foi nesse ponto que as coisas ficaram ainda piores.

Enquanto tentávamos estabelecer contato com os países ainda não atingidos pelo evento, um de nós percebeu o surgimento de uma pequena estrela prateada e brilhante. Ela ganhava os céus em uma trajetória parabólica, intercontinental, vinda do hemisfério ainda escuro pela noite. Foi então que parei, seja lá o que estivesse fazendo, e me aproximei do vidro juntamente com os outros: Antes que o míssil nuclear tocasse o solo, incontáveis outros também se levantaram, retaliatórios. Emergiam de todos os lugares, cortando distâncias imensas em poucos minutos. Quando caíam, criavam domos brilhantes de pura luz, que varria tudo ao redor. Nós não ouvimos nenhum som, mas recebemos a estática posterior de todos os pulsos eletromagnéticos. Nossa eletricidade oscilou. Não sei quanto aos outros, mas eu nem percebi direito. Minha visão estava turva e minha mente espiralava como se estivesse em um sonho. Simplesmente, não era capaz de absorver aquilo que acabara de testemunhar. Em poucos minutos, a Terra havia sido arrasada por um ataque termonuclear maciço.

Agora, quinze dias depois do apocalipse, consigo processar tudo que ocorreu. Embora, de vez em quando, ainda me sinta um pouco perdido, basta olhar para fora e confirmar. Cerca de 300km abaixo de nós, um furacão de escala continental agita a atmosfera, pesadamente obstruída pelas nuvens densas de escombros. Relâmpagos púrpuros e mortiços crepitam de modo incessante, enquanto chuva venenosa e corrosiva se derrama copiosamente sobre a face do planeta.

Daqui de cima, a Terra parece tão silenciosa. Nossos rádios estão completamente mudos. Um de nós diz que nossos sistemas devem ter sido danificados, durante as explosões. Não o contradigo. Mas, estou certo de que nada poderia ter sobrevivido aquilo. Cada um se agarra naquilo que pode, em face do futuro curto que nos é reservado.

É estranho pensar nos últimos dias. Havia mais de 7 bilhões de pessoas no mundo. Agora restam apenas 8, vivendo em uma modesta estação espacial. Estou naquilo que deveria ser um posto avançado de nossa civilização. Mas, agora, é apenas o refúgio dos últimos representantes da espécie humana.