O cômodo que guardava as discussões do Conselho de todo restante da Arca estava mais movimentado que de costume, e mesmo sob tantos argumentos, a atenção de Sebastian, depois de um longo tempo como um dos mais influentes, naquele momento estava enfiada em suas lembranças, não nas pessoas em volta e nos problemas da Arca. Naquele momento, os conselheiros falavam sobre Adam Hunt, acusado de tentativa de homicídio e vandalismo ao incendiar o apartamento do guarda que aprisionara seu pai ao ser pego assaltando a enfermaria. Isso trazia épocas antigas da vida de Sebastian à cabeça dele. Quando pequeno, o nascimento de seu irmão tirara a vida da mãe de ambos, devido as leis da Arca, e por mais que seu atual cargo fosse aquele, seu passado era muito diferente, fora um delinquente que por vingança por ejetarem sua mãe, destruía e causava problemas à Arca diariamente, até o dia que foi preso e sua vida entrou em debate no antigo Conselho.
— Sebastian, não vai dizer algo? — perguntou o velho e gordo Leon, acordando-o de seus próprios pensamentos.
Notou todos encarando-o, alguns surpresos por seu silêncio durante toda discussão.
— Parece que alguém se distraiu aqui, desculpem-me — respondeu com seu típico sorriso travesso. — Onde pararam?
— Eu estava tentando dissuadi-la de procurar perdão para esse rapaz. Conheço muito bem o tipo dele, não vale a pena gastar ar e suprimentos aprisionando-o numa cela confortável — respondeu Leon, irritado.
— Quem é você para dizer quem vale ou não receber uma segunda chance? — questionou Lauren, tão irritada quanto. — Dar aos jovens uma segunda chance foi uma decisão do Antigo Conselho pensando exatamente nesse tipo de pensamento. Adolescentes são idiotas, cometem erros que num futuro podem se arrepender e desejar nunca ter feito. Todos merecem uma segunda chance.
Leon suspirou, agarrou algumas papeladas e começou a lê-las, citando todas encrencas que o rapaz havia se metido. Quando terminou de ler, Leon tirou os olhos dos papéis e virou-os para direção da mulher.
— Só no último ano, ele brigou com sete pessoas e destruiu as mesas e cadeiras de uma loja ao ser xingado pelo dono, o que virou a oitava briga. Já recebeu inúmeros avisos durante todos esses anos, chegou ser preso por algumas semanas, mas nada. E o motivo de você acreditar que ele tem alguma chance de melhorar é porque seus sentimentos estão acobertando a verdade, sabemos muito bem que era amiga dos pais dele.
Lauren preparou-se para dizer algo, mas Bryan a interrompeu, tomando a palavra.
— Não importa se ele é merecedor ou não, Leon, só descobriremos isso ao colocá-lo numa cela até que chegue na idade adulta. Sempre fizemos isso, não mudaremos agora.
A ruiva suspirou aliviada, enquanto o velho pareceu frustrado com a decisão, enquanto Sebastian permanecia silencioso, observando tudo aquilo.A última porção de terra foi jogada na cova pela pá que segundos depois alisaria levemente o terreno para que ficasse com uma aparência decente. Adam estava cansado, tanto fisicamente quanto mentalmente. O peso do sangue em suas mãos estava absurdamente grande, acreditava que todas mortes que causara dias antes não mereciam ocupar sua mente ou atordoá-la, mas a naturalidade que esperava ter ao matar tantos terráqueos não existia. O medo de matar alguém nunca estivera em seu coração, sabia que se precisasse mataria, e matou, mas nunca esperou que tirar a vida de alguém fosse um fardo tão pesado assim. E isso fazia dele uma das poucas pessoas que não tiveram prazer na chacina, grande parte do resto do acampamento andava mergulhado no sangue seco daquela noite com tamanha normalidade que o surpreendia toda vez que topava com os adolescentes que cagaram-se antes da batalha. Encravou a pá no chão e deu uma olhada para seus braços cobertos de carmesim, suas roupas acompanhavam da mesma cor também. Para as pessoas em volta ainda era o idiota que surgia para atormentá-las com apelidos ou comentários maliciosos, mas por dentro estava atordoado, o estresse era tanto que parecia estar com febre de tão quente, os olhos ficaram pesados e a falta de vontade de mover-se era demais, tudo pelo sentimento de impotência.
Para ele, seu maior erro ao colocar os pés na Terra foi criar laços com aquelas pessoas, a perda de alguns, a maioria que tentou salvar, mas não conseguiu, só deu à ele o sentimento que mais odiava: de ser inútil, um fardo entre tantos. Talvez fosse seu destino ser isso, afinal, nascera como um fardo na vida de seus pais, crescera como um e agora era um para as pessoas que, inesperadamente, se importava.
— Tudo bem, cara? — perguntou Peter, encarando-o com curiosidade.
Adam acordou de sua cabeça conflituosa, voltando a sua postura padrão.
— Sim — respondeu, simplesmente. Notou que o rapaz alguns metros de distância, estava cavando outra cova, perguntou-se de quem era até seus olhos chegarem a placa caída no chão, escrito "Alice". Seus olhos pularam para fora da placa ao sentir-se mal, mas disfarçou. — Não temos o corpo.
— Ela era minha amiga, merece ser enterrada — respondeu Peter sem olhá-lo, focava na pá enfiando-se no chão e arrancando um pedaço para o montinho de terra formando-se.
Adam virou os olhos para o túmulo de Jason, tinham feito aquilo dias depois de voltarem para o acampamento.
— Como você está lidando com a falta dela?
Peter parou para descansar, limpou a testa com as costas da mão e virou-se para Adam com um sorriso triste.
— Não muito melhor que você. Mas esses dias eu venho pensando... — parou por algum tempo, procurando as palavras certas, até voltar-se novamente com um sorriso pequeno, mas ainda triste. — Afinal, estamos vivendo na Terra, temos que nos acostumar com perdas, não é?
Adam ouviu aquelas palavras com uma atenção que dava à poucas pessoas e soube que o rapaz de cabelos prateados, por mais idiota que fosse, tanto em aparência quanto em personalidade, estava certo.
Arrancou a pá cravada do chão e colocou-se ao lado do rapaz para ajudá-lo a terminar o túmulo vazio de corpo, mas cheio de significado.
Distante, Tyler tirou os olhos da dupla e terminou de comer o peixe que Adam havia pegado, levantando-se para espreguiçar-se, escutando alguns estalares de sua coluna. Olhou em volta, todos adolescentes estavam cobertos de sangue seco, ninguém queria arriscar-se de ir até o rio para lavar-se, nem mesmo ligavam, o fedor tornara-se algo normal entre eles, por mais que na Arca fosse motivo de chacota ou vergonha. Ele mesmo não ligava para o sangue que cobria seu corpo, que secara em seu cabelo, sua aparência parecia de um psicopata com tantas marcas vermelhas no rosto, como se tivessem escorrido, como fizeram de fato ao ter acertado o machado inúmeras vezes em inúmeros terráqueos. O que importava para ele naquele momento era levar todos aqueles adolescentes para a fonte dos fogos de artifício que julgavam ser um sinal da Arca, para eles era algo que os terráqueos tão primitivos e selvagens não teriam habilidade de fazer.
Tyler teve sua atenção chamada por Lily que deixou desajeitadamente sua mochila cair no chão, derramando algumas roupas por estar aberta, xingou em voz alta e abaixou-se para pegá-las. Caminhou até ela e agachou-se ao seu lado, para ajudá-la.
— Deixa comigo — disse sorrindo. — Pronto.
— Obrigado, Tyler — agradeceu Lily com um sorriso doce, pegando a mochila e colocando-a nas costas.
— Me pergunto por que foi presa, você me parece calma e boa demais pra ter cometido algum crime.
— Aparências enganam, Tyler — respondeu ela com um sorriso triste. — Eu fui pega com minhas amigas roubando o lugar errado, tivemos a sorte de ser presas na semana que a Arca caiu.
Tyler julgou pela expressão da garota que as amigas tiveram o mesmo destino que seus amigos.
— Sempre soube que você era uma ladra mesmo — brincou Tyler sorrindo, tentando aliviar o clima. Ao ver a expressão confusa dela, complementou: — Vê aquele rapaz — apontou para Peter morto no chão ao lado da cova, cansado de cavar —, aquele rapaz teve o coração roubado por você. E agora está nas suas mãos magoá-lo ou não, estou de olho em você.
Lily ficou vermelha e tentou dizer algo, mas gaguejou.
Tyler apenas riu e deu alguns tapinhas no ombro dela, dirigindo-se para dentro da nave atrás de sua mochila. Logo iriam embora.
Lauren caminhou para fora da sala de reunião silenciosa, estava triste pelo resultado da discussão. Ela e Sebastian tentaram convencer Bryan que a tentativa de roubar remédios para o irmão mais novo de Caterine Heartley merecia ser perdoada, a garota era nova e desesperada para ajudar uma criança mais nova, mas o Chanceler respondeu que muitas outras pessoas tinham feito o mesmo e o Conselho dera à elas o mesmo resultado de sempre: prisão ou morte, caso fossem jovem ou adulto. E, sem escolha, ela só pôde fazer o último agrado. Pegou a criança da enfermaria, onde o deixara, pois o garoto ficaria sozinho em casa, o levou até a prisão e lá encontraram Caterine ansiosa para vê-lo. A mulher observou com tristeza a jovem agarrando o irmão num abraço desesperado, enquanto algumas lágrimas começavam rolar pelo rosto, sem que ela notasse.
— Vai ficar tudo bem, okay? — falou Caterine numa voz carinhosa.
— Eu não quero te perder — respondeu Brandon, chorando.
— Você não vai, você não vai — abraçou-o com mais força, colocando o rosto sobre seu ombro e deixando-o chorar no dela. — Eu só vou passar um tempo longe, não demoro.
— Você promete?
— Prometo, seu nanico, prometo — respondeu, beijando seu rosto várias vezes.
Lauren quando ganhou a atenção da garota durante o abraço, apenas murmurou muito baixo, mas que pelos lábios eram entendíveis, que cuidaria do rapaz. E Caterine agradeceu com um sorriso triste.
Quando a garota foi arrastada pelos guardas de volta à sua cela, sem tirar os olhos do irmão sendo deixado para trás, observando ir embora, Lauren virou-se para o rapaz, pegando-o pela mão.
— O que você gosta de comer, Brandon? — perguntou sorrindo.Sanduíche, refletiu Caterine, comendo o que restava do peixe em suas mãos. Sentia saudades de comer os deliciosos sanduíches do velho Parker com seu irmãozinho, estava cansada de peixes, mas era a única coisa que tinha para comer naquele momento e precisava de força para caminhar sabe-se lá quantos quilômetros até chegarem na fonte dos fogos.
Levantou-se, agarrou sua mochila e colocou-a nas costas, então notou sua espada ensaguentada escorada na cama e a pegou com uma normalidade que nunca esperou ter, ao matar tantas pessoas. A verdade era que tinha gostado, tinha a aliviado, e não sabia se aquilo era bom ou ruim. Preferiu julgar que vivendo uma rotina como a da Terra, era algo bom, temia que estivesse perdendo a noção das coisas e logo enlouquecesse. Saiu para fora do quarto e deparou-se com Pietro escorado ao lado, esperando-a.
— O que você quer? — perguntou Caterine, imediatamente, encarando-o com uma sobrancelha levantada.
— Queria pedir desculpas pelo que fiz.
Caterine apenas acenou com a cabeça e virou-se para ir embora, mas sentiu-lhe agarrando-a pelo braço.
— Desculpa — disse ele, afastando a mão. — Eu só sinto saudades de você, Cat.
Encarou-o por alguns segundos, então afastou-se sem dizer outra palavra, não estava com cabeça para aquilo agora e agradeceu que o homem não tentou pará-la. Na saída, deparou-se com Tyler agachado, arrumando sua mochila e colocando-a nas costas.
— Pronta pra ir? — perguntou ao vê-la.
— Sempre estive, desde o dia que cheguei aqui — respondeu, descendo pela rampa e iniciando sua caminhada para fora do acampamento.
Adam e Peter estavam esperando-os perto da pequena fogueira que ainda estava em chamas. Tyler agarrou o balde de água que usavam para pegar água do rio e sem necessidade alguma para ele, jogou a água dentro na fogueira, criando uma grande fumaça branca, enquanto juntava-se ao trio e afastavam-se com todo restante dos delinquentes para fora do acampamento. O lugar que fora o lar deles por muito tempo, mas que pouco depois ficaria em silêncio, solitário em meio ao bosque ao seu redor.
Sebastian gargalhou alto ao ouvir o crime do rapaz, ao mesmo tempo que Lauren segurou sua própria risada colocando a mão em frente ao rosto, até mesmo Bryan que sempre estava sério teve um sorriso pequeno em seu rosto por alguns segundos.
— Onde vocês veem graça nisso? Perdemos uma grande quantidade de oxigênio nesse descuido — reclamou Leon.
— É trágico, mas é engraçado. Seja quem for esse Peter Dunham, cuidar de um problema sério da Arca com fita adesiva é outro nível — explicou Sebastian, rindo.
Leon não via um pingo de graça naquilo.
— Me pergunto como um rapaz com ótimas notas e tamanha inteligência faz algo do tipo.
Bryan virou os olhos para o gordo, enquanto Sebastian continuava rindo.
— A mãe morreu ao ter um segundo filho, o irmão mais novo de Dunham, que morreu anos mais tarde, por não darmos suprimentos suficientes para ajudá-lo quando estava seriamente doente. Ele tem um histórico de vandalismo moderado, mas que continua sendo vandalismo — falou Bryan lendo o arquivo do rapaz. "Chupa, Conselho" era a frase que viera da boca do rapaz ao ser preso, o que revelava claramente o motivo pelo qual o rapaz não ligara de fazer seu trabalho da forma correta. — A verdade é que por mais engraçado que seja, Leon de certa forma está certo. A cada dia que passa, o povo da Arca fica mais rebelde em nossa relação. — Bryan olhou pela janela do lugar, vendo a Terra pelo vidro. — Um ódio crescente desse só termina em uma coisa.
Rebelião, soube o resto do Conselho.Peter estava ao lado de Thomas, acompanhavam todos outros adolescentes caminhando pela floresta. Faziam alguns dias desde que afastaram-se do acampamento, provavelmente mais avançados do que na primeira vez que tentaram explorar a Terra. No caminho, encontraram um rio onde os jovens puderam banhar-se e divertirem-se, mas não ficaram muito tempo ali. Agora, seus olhos estavam seguindo o fascínio de Lily com a floresta, sorria toda vez que via um pássaro pulando de alguns galhos e sobrevoando as copas das árvores, sob o céu límpido e azul daquela tarde.
— Parece que alguém se apaixonou — brincou Thomas ao seu lado, rindo.
— Como não se apaixonar é uma boa pergunta, cara — respondeu Peter, o que fez com que ambos rissem e batessem a palma da mão no lado do punho. Era o gesto que faziam para o outro quando entravam em acordo.
— Vai nela, então, diga seus sentimentos.
— Calma aí, Thomas. Ela é tímida, não vou chegar nela já agarrando e beijando.
— Não vai por ela ou por estar com medinho? — provocou o asiático.
Peter apenas lhe deu um olhar sombrio.
— Quer ver eu ir agora, então?
— Quero.
— Quer ver mesmo?
— Quero.
— Então, olha só — exclamou Peter apressando os passos e indo em direção à ela.
Quando Lily virou-se para trás, encontrou Peter abaixando-se para amarrar o cadarço do tênis e sorriu tanto para ele, quanto para Thomas. Depois de virar-se para frente, Peter levantou-se e trocou um olhar com o amigo que começou a rir. Tyler que estava pelas redondezas apenas sorriu com aquela visão e aproximou-se da dupla.
— Siga o exemplo, cara. Siga o exemplo — disse Tyler passando por eles e dando alguns tapinhas no ombro de Peter que primeiramente não reagiu as palavras, mas logo sorriu e continuou assim pelos minutos seguintes.
Tyler afastou-se do grupo indo para direita, passou por Caterine e Adam conversando, a garota não calava a boca e o rapaz estava reclamando disso, mas não deu muita atenção à eles. Encontrou Jeremy caminhando vários metros de distância do grupo, silencioso e calmo como sempre, vestido de seus arbustos e engolido por lama, entre outras coisas, para que pudesse se esconder facilmente.
— Precisamos conversar — avisou Tyler colocando-se ao lado do homem sem ligar se o mesmo queria aquilo ou tomaria um susto, algo que não aconteceu quando Jeremy continuou andando, em silêncio, esperando que o rapaz continuasse. — Eu entendi porque você fez o que fez no acampamento, cadáveres dos nossos em meio dos terráqueos dava credibilidade que o restante alguns metros à frente eram cadáveres de fato, assim como o portão precisava ser derrubado. Mas independente do resultado, isso levou conhecidos à morte e eu não deixarei que isso aconteça de novo, Jeremy.
— Você aceitou o cargo de líder, então — notou, ainda avançando sem olhá-lo.
Tyler responderia no mesmo instante, se ainda não estivesse temeroso com a decisão.
— Tyler, vou te dar um conselho que os líderes dos cem deveriam ter recebido na época: saiba que não poderá mantê-los todos a salvo.
Tyler soltou uma risada irônica, interrompendo seus passos e ficando em frente à Jeremy, parando-o também.
— Eu vou fazer de tudo para protegê-los, Jeremy.
— Isso é esperança, e esperança foi o que levou os líderes dos cem onde estão agora.
— Esperança é o que faz alguém continuar, principalmente num lugar como este. Se você não a possuí, por que não se matou, então?
Jeremy ficou em silêncio, procurando uma resposta.
— Os erros do passado não se repetirão. Eles morreram no segundo ataque, nós sobrevivemos — continuou Tyler.
— Os erros do passado formam o futuro, Tyler, e o futuro é formado de erros do passado. O ser humano é a única espécie que mata e tortura por prazer, que procura mais poder incansavelmente. É um ciclo interminável que nos levará a extinção, que quase já nos levou a extinção.
— E o que você recomenda que eu faça, então? Fique de braços cruzados e observe cada um deles sendo mortos com o tempo?
— Não me importa o que você decida fazer, Tyler. Eu só estou lhe avisando da verdade.
— Sua verdade, no caso. Eu sei exatamente que tipo de ideologia você tem, Jeremy, você acredita que os fins justificam os meios, que não importa quantos e quem você sacrifique, o que ganhar vai fazer isso valer a pena.
Jeremy que estava com os olhos em outro lugar, encarou os de Tyler pela primeira vez.
— Vai chegar um dia que você terá um escolha a fazer, Tyler, e terá que decidir se vai ser com a cabeça ou com o coração. E quando a fizer, o mudará para sempre.
Os dois tiveram sua discussão interrompida quando escutaram o berro de alguma garota e dirigiram-se até lá, Tyler correndo e Jeremy caminhando normalmente, chegando pouco depois. O que chamara tanta atenção na clareira, que deparou-se ao alcançar o grupo, era que bem atrás das várias árvores e pedregulhos espalhados por seu centro, no outro lado, tinha um grande grupo de terráqueos. Os dois grupos estavam chocados de encontrarem-se com o outro, ficaram paralisados por alguns segundos, mas não demorou para que os terráqueos começassem correr em direção à eles e ao avistar esse movimento, Tyler correu dentre os adolescentes, gritando para que não fugissem e ficassem juntos, separarem-se na quantidade que estavam só facilitaria o trabalho dos canibais. Mas conforme os terráqueos aproximaram-se, descobriram que não avançavam como se fossem atacá-los, pareciam fugir de algo, principalmente ao revelarem dentre os homens fortes e armados várias crianças, jovens e mulheres. Então, de um segundo ao outro, inúmeros cavalos pularam dentre as árvores de onde os terráqueos a pé vieram. Eram dezenas surgindo, cavalgando em direção à eles com poder e ameaça. Os cavalos eram diferentes das figuras e contos, estes tinham chifres, duas cabeças, olhos vermelhos ou dentes afiados como de um tubarão, entre outras coisas.
O grupo de adolescentes só pôde observar quietos e sem reação a chegada dos terráqueos a pé ao mesmo tempo que a cavalaria acompanhou-os, atropelando-os com lanças e iniciando outra chacina.
Tyler acordou do choque e apertou com força o cabo de seu machado, mas quando viu uma lança aproximando-se velozmente dele, desviou jogando-se no chão. Levantou-se e pulou para jogar-se com uma garota no chão novamente, tirando-a do caminho de um dos cavalos. Viu como os homens montados acertavam as lanças nos terráqueos, matavam desde as crianças mais jovens aos mais velhos, sem piedade alguma. Um dos delinquentes acertou uma espadada num homem e derrubou-o do cavalo, mas em resposta outro veio atravessando a lança em sua garganta e puxando-o junto conforme cavalgava, enquanto as pernas balançavam no ar e o rapaz engasgava-se com o próprio sangue.
Não demorou para que o verde se tornasse carmesim e o ar podre de morte.
Chanceler Bryan riu, depois de muito tempo, ao escutar que estavam tocando Can't Help Falling in Love na prisão e sabia que Connor, o comandante da guarda, dirigia seus homens até lá para ver o que tinha acontecido naquele exato momento.
Quando o homem chegou lá, a porta estava trancada. Lá dentro, Tyler estava sorrindo também, enquanto a música que ele mesmo colocara para tocar estava alta e chamativa na prisão, seu objetivo era dar algo bom à rotina cansativa e entediante dos prisioneiros, sabia que pelo menos os amigos estariam adorando. E estavam. Os amigos de Tyler souberam de onde viera a fonte daquela música no mesmo momento que seus ouvidos a escutaram começar. Riram, gargalharam, alguns dançaram, felizes de terem um amigo tão idiota e dedicado quanto o rapaz. Enquanto o restante das celas e seus respectivos ocupantes tiveram reações diferentes.
Jason Perry acordou de seu sono ao escutar a música tocar e enfiou o rosto na janela para escutá-la melhor, sorrindo. Enquanto na cela ao seu lado, Caterine que estava andando de um lado para o outro na cela, impaciente e entediada, colocou-se perto da janela para escutá-la melhor também, sorrindo uma vez ou outra ao saber que alguém foi tão idiota de invadir a sala de controle para fazer aquilo.Seus olhos seguiam toda violência ao seu redor, Caterine notou que os homens agarravam alguns dos adolescentes após nocauteá-los, colocando-os em cima do cavalo e afastando-se da confusão, enquanto os que tentavam lutar eram mortos juntos com o restante dos terráqueos que eram dizimados com extrema brutalidade. Seus olhos num certo momento chegaram num homem em cima de um cavalo, com um arco em mãos, soltando flechas dela e acertando as pessoas com muita facilidade, mas o que chamou sua atenção de fato foi quando seus olhos conectaram-se com os olhos de um rapaz da mesma idade que ela, atravessando a lança num terráqueo, mas que teve sua atenção chamada por outro e sumiu nos instantes seguintes.
— Precisamos sair daqui! — gritou Caterine para Adam, no meio daquela confusão.
Peter jogou-se na janela ao escutar a música começando e ficou escorado ali conforme ela tocava, sorrindo. Viu alguns adolescentes reclamando para abaixarem e ouviu uma garota, aos risos, gritando para que se calassem, pois ela queria gravar aquele momento. E toda essa confusão era um ótimo passatempo na vida entediante que tinha desde que fora jogado na cela.E tudo que Peter mais sentia saudades era da vida entediante.
Correu junto com Thomas em direção ao brutamontes que jogou Lily em cima de seu cavalo, após desmaiá-la com um golpe na nuca. Tentou acertá-lo com o machado, mas foi jogado no chão sem ar ao receber um chute no estomago, quando notou, Thomas tinha sido jogado no chão também e recebera um chute na cabeça, criando uma grave ferida que o desacordou na hora. Gritou, enfurecido, e levantou-se para tentar ajudar o melhor amigo, mas o brutamontes agarrou o braço que portava o machado e com o outro o pegou pelo colarinho, acertando um soco no rosto de Peter que o deixou tonto, então quando o segundo veio, estava desacordado.
Adam estava deitado em sua cama com os olhos fechados, tentando pegar no sono, quando a música começou tocar. Ficou quieto durante todos minutos, até que perto do final, soltou um sorriso de canto imaginando que o idiota que tocara aquela música estava agora numa situação complicada.— Peter! — gritou Adam ao ver o rapaz sendo nocauteado e jogado em cima de um dos cavalos pelo brutamontes.
— Adam! — berrou Caterine ao vê-lo pular para longe dela, atravessando a confusão.
O rapaz correu o mais rápido que pôde, mas teve que desviar de um cavalo e depois de uma lança, vendo durante a corrida que Kevin, com uma granada no cinto, acertava chutes na cara de um homem derrubado por ele, mas ignorou e continuou seu caminho, até que viu um dos homens em pé, poucos metros dele. Quando o olhar dos dois encontraram-se, Adam já tinha avançado em direção à ele com a clava pronta para acertá-lo, mas o homem mostrou-se ágil e desviou facilmente, acertando com o punho da espada o rosto de Adam, atordoando-o na hora. O homem preparou-se para enfiar a espada no peito de Adam e tudo que ele podia fazer era tentar recuperar a noção das coisas, mas estava tonto demais para isso. Foi quando Tyler jogou-se no homem, derrubando-o no chão. Colocando as mãos em volta do pescoço dele e começando enforcá-lo, gritou por ajuda e o grito do companheiro, pedindo ajuda, fez com que Adam recobrasse sua consciência e pulasse sobre o homem, colocando os joelhos em cima do braço esquerdo dele e começando socá-lo no rosto, enquanto Tyler o enforcava.
— Vai atrás do Peter — exclamou Tyler, quando o homem já estava fraco e morrendo.
Adam encarou o rapaz por alguns segundos, mas acenou e levantou-se, continuando seu caminho. Desviou de outro cavalo, jogou-se na lama, arrastou-se na grama, levantou-se e desviou de toda chacina, mas no final, pela terceira vez, não tinha conseguido salvar alguém que se importava.
Tyler sorriu no momento que notou a música terminando, temia que a interrompessem antes, mas quando a porta foi arrombada pelos guardas e ele colocou os joelhos no chão, junto com os braços atrás da cabeça, a música já tinha terminado. Observou os homens retirando seu pendrive e mesmo escutando alguns insultos, o sorriso permaneceu enquanto colocavam as algemas em seus pulsos e o prendiam, oficialmente.O terráqueo engasgou-se com o próprio sangue ao quase gritar pela dor, quando tentou parar Tyler, colocando as mãos em seu rosto, que respondeu agarrando os dedos dele com os dentes e mordendo-os com força. Finalmente podendo soltar as mãos da garganta do cadáver, seus olhos cansados olharam em volta e viram toda aquela carnificina, tantos adolescentes sumindo e tantos morrendo, e tudo aquilo só provava como ele estava errado e como Jeremy estava certo. Cansado, apoiou-se no chão com os antebraços e encostou a testa no solo. Frustrado, soltou um grito de fúria e viu Kevin cair morto ao seu lado. Então, notou o que tinha em sua cintura.
Jeremy tentaria escapar se visse algum jeito de fazer aquilo, mas ao ver que estava cercado e logo seria confundido com um terráqueo, apenas suspirou e soube que era seu fim, nunca tinha visto aqueles homens, muito menos cavalos e homens montados neles, e soube ali que não conhecia nada da Terra, como pensava conhecer. Era um gigantesco novo mundo e os canibais eram apenas o começo.
— Assassino — escutou alguém dizer atrás dele. Quando virou-se para ver quem era, deparou-se com Jonathan e todos outros cem espalhados ao seu redor, sabia que era fruto de sua loucura, mas o medo e culpa o dominou no mesmo momento, era como um sonho que não podia acordar, por mais que tentasse. Então, ajoelhou-se no chão e escutou Cross mandando-o levantar, mas preferiu parar de adiar o que estava guardado há tanto tempo para ele, o que ele merecia.
Jeremy fechou os olhos e abriu os braços, esperando que de algum golpe viesse a piedade do seu sofrimento diário.
Caterine não queria morrer e isso criava um conflito em sua mente que não cedia em momento algum enquanto ela estivesse em pé no meio daquela confusão, queria ficar para tentar ajudar os amigos, mas ao mesmo tempo tinha uma vontade gigantesca de fugir pela floresta e não voltar nunca mais aquele local. Só parou de pensar naquilo quando seu corpo moveu-se por ela, virando-se para floresta, mas o que ela encontrou foi muito mais do que árvores, poucos metros dela um homem vinha com uma clava em direção à ela, provavelmente para nocauteá-la e levá-la como fizeram com tantos outros, e pelos poucos segundos de reação, Caterine paralisou. Foi jogada no chão por Adam que brotou atrás dela e esperou o homem vir, soltando um grito, ao desviar do cavalo e a clava inimiga, ao pular para o outro lado, acertando sua própria clava na perna do cavalo, fazendo-o derrapar no chão junto com o homem. Levantou os olhos para garota, mas sentiu os braços ao redor dele, abraçando-o.
— Sem carinho agora, você precisa sair daqui — disse ele em voz alta para que ela conseguisse escutar.
— Você não vem? — questionou surpresa.
Ele apenas deu um sorriso triste e olhou para sua própria perna, ferida. Caterine entendeu ali que o rapaz seria um fardo quando começassem correr para longe.
— Eu cuido disso, rainha — prometeu, ainda com o sorriso triste no rosto.
Caterine apenas o abraçou e devolveu o sorriso, olhando em volta uma última vez e depois sumindo nas árvores.
Adam olhou para floresta por alguns segundos, então virou-se para aquela confusão, adentrando-a novamente. Derrubou um homem de cima do cavalo, mas o mesmo jogou-lhe no chão com a força absurda que tinha e sem nenhuma arma para feri-lo, optou pelos punhos, acertando o rosto de Adam até que seu próprio sangue o cobrisse. Tentou pará-lo, mas era inútil, o terráqueo estava com as mãos em volta de sua garganta e apertava com tamanha pressão que não demorou para que Adam soltasse borrifos de sangue ao engasgar-se e sua visão começasse turvar, aos poucos, até que escurecesse completamente.
Então, a clareira que tinha apenas árvores e pedregulhos espalhados por ela, estava dominada de cavalos e cadáveres, que cresciam a cada minuto que passava.
A vastidão negra que era o céu naquela noite molhava Caterine com a chuva interminável, dificultando que seus passos lentos continuassem de maneira firme. Desde o momento que seus pés iniciaram uma corrida da clareira, a noite chegou e deu lugar ao dia novamente, e então escureceu novamente, mas até ali, ela não parou em momento algum, nem para beber, nem para comer, apenas continuava andando, com os olhos vazios e os braços balançando como se fosse um zumbi. Queria chorar, queria gritar, mas ao mesmo tempo não queria nada disso. Então, só restava aguentar o quão cansada mentalmente estava de toda aquela tragédia. Sentia-se quebrada por dentro, não tinha mais ninguém, estava sozinha naquela floresta e sem esperança. Caiu de joelhos, momentos depois, exausta, olhou para o céu e abriu a boca, deixando que algumas gotas caíssem dentro de sua boca. Deitou na lama e continuou olhando a escuridão que a cercava, estava num tipo de estrada, mas não ligava, o breu era tanto que em volta não via nada. Cerrou os olhos ao ser iluminada por dois faróis, assustando-a. Não tinha força de movimentar-se, então ficou parada com os olhos fechados até sentir uma mão balançando seu ombro.
— Ei, garota, tudo bem? — perguntou ele, preocupado.
— Sou da Arca — foi as únicas palavras que Caterine conseguiu soltar. — Sou da arca.
Com os olhos já fechados, dormiu depois de tantos quilômetros a pé sem parar.
Acordou dentro do carro, no banco de trás, viu nos poucos minutos acordada as árvores passando velozmente pelo exterior, enquanto a noite começava dar lugar para o alvorecer, e escutava a voz dos homens, falando sobre delinquentes e sobre ataques de selvagens, mas não deu atenção, voltando a dormir. Foi acordada novamente pelo homem que apertou seu ombro. Estava de manhã e ela sentia-se melhor após uma noite completa de sono, deitada. Espreguiçou-se e saiu do carro, ficando de boca aberta ao ver uma das estações da Arca projetando-se poderosa e grandiosa no meio do que parecia um campo.
— De que estação você é, menina? — perguntou o outro homem, no carro. Notou que vestiam o uniforme de guarda da Arca.
— Rural, mas eu estava na prisão — respondeu, temendo que a julgassem uma assassina.
Os homens entreolharam-se de forma estranha.
— Algum sobrevivente?
Caterine balançou a cabeça que não e os homens acenaram em silêncio. Quando começaram caminhar em direção às muralhas que circundavam a estação e o que parecia um acampamento muito melhor do que o deles, esperou calmamente as portas se abrirem e viu ali dentro uma quantidade grande de sobreviventes, desde jovens à velhos, olhando-a com surpresa. Mas Caterine só deu atenção à uma, que nunca esperou ver novamente, que nunca gostou de verdade, mas que ao vê-la de pé, tão chocada quanto ela, sentiu seu coração aquecer e tudo que fez foi correr em direção à ela. Abraçou Alice com tanta força que se a garota não tivesse feito o mesmo, estaria irritada.
— Pensei que nunca te veria novamente — disse Caterine, durante o abraço.
— Nunca pensei que ficaria tão feliz de vê-la novamente — respondeu Alice, soltando-se do abraço, mas sorrindo de uma orelha à outra. — Onde estão os outros? — questionou, olhando para o exterior dos portões, mas não encontrando nada.
Caterine como fez com os guardas, apenas acenou negativamente com a cabeça e Alice, entendendo na hora, teve o sorriso transformado numa expressão triste, mas que logo tornou-se feliz, mesmo que forçado, novamente.
— Como você chegou aqui? — questionou Caterine, intrigada.
— Longa história, que tal falarmos disso depois? — disse Alice ainda com o sorriso falso. — Quando cheguei aqui, recebi uma enxurrada de perguntas, mas o que importa mesmo é que uma delas foi sobre uma tal de Caterine com cabelos avermelhados e sobrancelhas chamativas.
Ao ver a expressão de confusa, Alice sorriu verdadeiramente, olhando para trás e procurando Lauren, encontrando-a saindo da multidão com uma criança segurando sua mão. Caterine ao ver Brandon olhando-a com o mesmo choque, ficou paralisada por muito tempo, até que mordeu o lábio e começou andar em direção à ele, iniciando uma rápida corrida que o rapaz a seguiu, jogando-se nela e recebendo um abraço fortíssimo.
— Eu nunca mais vou te soltar, seu nanico! — exclamou ela, beijando o rosto do garoto sem parar, que chorava muito. — Eu prometi que voltaria.
— Eu pensei que você estava morta — chorou Brandon, fazendo-a soltar uma risadinha devido a ironia do momento.
— Mas não estou e você nunca mais vai sair do meu lado, okay?
Brandon apenas acenou a com a cabeça e apertou-a mais ainda no abraço. Quando soltaram-se, Caterine deu mais beijos no rosto dele e disse:
— Volte para Lauren, okay? Preciso falar com minha amiga.
O garoto pareceu receoso de se afastar dela, mas ainda o fez, voltando para Lauren que deu um sorriso para Caterine que o devolveu com um tão verdadeiro que apenas sua mãe e seu irmão haviam visto durante toda sua vida. Voltou-se para Alice, ficando ao lado dela, então olhou para fora do acampamento da Arca, observando toda floresta em volta e montanhas ao norte, então acenou com a cabeça para o nada, perdida em seus pensamentos.
— O que foi? — questionou Alice.
— Nossos amigos talvez estejam vivos.
— Como assim?
— Estávamos vindo em grupo atrás dos fogos de artifício, mas fomos atacados por um bando de terráqueos em cavalos. Eu vi apenas alguns dos nossos sendo empalados pelas lanças, a grande maioria foi nocauteada e jogada em cima de cavalos. Vi Peter sendo nocauteado.
Alice ao ouvir o nome do rapaz sorriu, feliz de saber que ele estava vivo, pelo menos até aquele momento, e ao ouvir da possibilidade de continuar ficou mais feliz ainda.
— Eu não acho que sejam do mesmo povo dos canibais, Alice — disse Caterine. — Eles os levaram por algum motivo e precisamos ir atrás deles.
— O que fazemos, então? — Alice estava completamente confusa, mas mesmo assim escutava as palavras de Caterine, esperando que mais tarde as explicasse melhor.
Caterine olhou para trás e viu na entrada da estação, muitos membros do Conselho, observando-as.
— Daremos nosso jeito, sempre damos.